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Armazéns Santistas: uma história de todos
Vaneza Mello Dias1
 
O tema escolhido trata de um cenário comum aos santistas, mas pouco aproveitado. Salvo àqueles que têm parente que trabalha atualmente, ou no passado, tiveram algum envolvimento na área portuária. Mas, boa parte da renda das famílias santistas foi provenientes das diversas atividades que surgiram com o Porto.Isso sublinha sua importância.

A cidade de Santos teve seu grande desenvolvimento no final do século XIX, pois, foram três séculos totalmente voltados para o núcleo central da Cidade.Com a expansão da comercialização do café e o enriquecimento dos “barões” seus casarões vieram a preencher outros espaços e, a Cidade, aos poucos, foi se voltando para a praia.

“Em contrapartida, o porto era formado por pontes e trapiches desde o século XVI, e estes, em fins do século XIX foram substituídos por 260 metros de cais para o tráfego e os serviços portuários.A partir daquele período inicia-se, por assim dizer, uma outra cidade dentro da cidade, por onde passaram imigrantes e migrantes vindos da Europa, mais tarde da Ásia e, de diversos estados brasileiros, com a esperança de sustento e melhoria para seus familiares. Homens que viviam horas de trabalho nos armazéns que guardavam mercadorias que chegavam e partiam. Além da exportação do café, a importação de máquinas, equipamentos e matérias-primas o que justifica a importância do Porto na consolidação do processo de industrialização do País.”2

O fundador da cidade Brás Cubas ao chegar da expedição de Martim Afonso de Souza, à cidade de São Vicente (Capitania de São Vicente) teve a idéia de construir um atracadouro, após perceber que a cidade possuía um amplo estuário, capaz de proteger às embarcações. Ou seja, “A instalação de um simples ancoradouro propiciou, em 1545, a criação de uma infra-estrutura de apoio, composta entre outras edificações, pelo Hospital de Santos e a Igreja Nossa Senhora da Misericórdia. Essas construções proporcionaram o surgimento de improvisados trapiches de madeira que atravessando trechos de mangue, chegava até a beira d’ água, possibilitando a atracação de navios de pequeno porte”.2

Nas proximidades do ancoradouro, a cidade começou a desenvolver-se, com o aparecimento de um casario miúdo e de casarões austeros de fachadas escuras e arquitetura sóbria. E desta forma surgia a cidade de Santos, que continuou por três séculos... sem maior expansão, tendo sua população concentrada na atual área comercial.

Há duas telas de Benedicto Calixto no Museu dos Cafés do Brasil, localizado na Bolsa de Café de Santos, que podem mostrar claramente o crescimento da cidade em cem anos. Numa pintura que retrata o ano de 1808, temos uma cidade totalmente voltada para o cais, com poucas casas, os trapiches, em suma, uma vila propriamente dita. Já a segunda tela, mostra a cidade em 1908 com o cais moderno formado com os seus respectivos armazéns. E ainda, diversas construções, edificadas devido ao crescimento da economia,dos negócios e serviços decorrentes do auge do café.

O fator determinante para a criação do cais atual, foi à implantação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, pela São Paulo Railway, inaugurada em 1867, ligando o porto às zonas produtoras de café. A cultura do café estendia-se por todo o planalto do Estado, atingindo inclusive algumas regiões da Baixada Santista. Havia assim, a necessidade de modernizar e ampliar as instalações portuárias, para permitir, o escoamento desse importante produto de exportação.

”Através do decreto 9.979 de 12 de julho de 1888, foi celebrado o contrato, após concorrência pública. O documento foi assinado pela Princesa Isabel e referendado pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Público, o paulista Antônio da Silva Prado. O grupo liderado por Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle teve autorização de construir e explorar por trinta e nove anos (este prazo, foi em 1890 ampliado por 90 anos), o Porto de Santos, com base no projeto do engenheiro Sabóia e Silva.O contrato previa que o vencedor da concorrência ficava obrigado a, no prazo de seis meses a contar da assinatura do acordo, iniciar as obras do porto, principalmente com a construção de um pequeno trecho de cais e aterro, desde a Rua Brás Cubas até o extremo de uma velha ponte da São Paulo Railway, no bairro do Valongo. E desta forma foi feita, além de uma via férrea dupla com 1,60m de bitola para os guindastes e vagões de carga e armazéns para a guarda de mercadorias. Os capitais utilizados eram de empresas privadas e nacionais, bem como técnicos e chefe dos serviços igualmente brasileiros. Usando como base técnica o relatório de Sabóia e Silva, e sob o comando do engenheiro Guilherme Benjamin Weinschenk. Os materiais e equipamentos estrangeiros utilizados foram necessários por não serem fabricados no Brasil.Pelos concessionários foi constituída a empresa Gaffrée, Guinle & Cia., com sede no Rio de Janeiro, mais tarde transformada em Empresa de Melhoramentos do Porto de Santos e, em seguida, Cia. Docas de Santos.

Em 2 de fevereiro de 1892, a Docas inaugurou os primeiros 260m, que iam da área do Arsenal (atual armazém 4) à Alfândega. O prosseguimento das obras ocorreu em direção à ponte-trapiche da São Paulo Railway, correspondendo aos cais dos armazéns 4 ao 1. Com a atracação do vapor Nasmith, de bandeira inglesa, iniciaram-se formalmente as operações de Santos como porto organizado."3

Ora, dessa situação decorreu que: “Com o desenvolvimento, os portos foram como que extraídos dos respectivos tecidos urbanos para tornarem-se infra-estrutura terminais de corredores de exportação planejados e gerenciados no nível federal. Quase que para marcar a ruptura com a era colonial, os portos deram as costas às cidades”.4
O processo de crescimento da cidade foi acelerado com a instalação de trilhos de bondes e calçamento de ruas que se deslocavam do centro em direção às praias. Na área central surgiram os grandes armazéns de café e de outras mercadorias, transformando-se de bairro residencial para comercial. Esta forte transformação na estrutura urbana, também acontecia no Planalto Paulista e consolidaram com a inserção de São Paulo e Santos no mercado internacional.

Os Armazéns

Uma marca da cidade, primeira visão de muitos que chegaram no final dos séculos XIX e XX, os imigrantes que partiram na esperança e dispostos a reformar o mundo, começando aqui, onde desembarcavam com suas famílias ou não.

Os Armazéns cresceram com a prosperidade daqueles anos, podendo compensar muitos imigrantes que constituíram famílias ou que mantiveram aqueles que optaram pelo país. Eles fizeram a história da cidade juntamente com os trabalhadores, testemunhando uma época que não tem espaço atualmente, devido o surgimento da era dos Contêineres.

“A evolução da Contêinerização no mundo todo obrigou o Brasil, que tentava internacionalizar sua economia, a adapta-se às novas exigências, o que ocorreu inicialmente no porto de Santos.”5 Esta evolução motivou a inauguração em agosto de 1981, na margem esquerda do estuário, o Terminal de Contêineres – TECON.

Mas o que fazer com os velhos armazéns? Apagá-los da memória como se não tivessem existidos?

Não, simplesmente porque eles fazem parte do patrimônio da cidade, embora não tenha mais a função inicial, a armazenagem, devido a necessidade da cidade se modificar para atender ao crescimento urbano.

Mas o que vale lembrar é que eles representam um período na história e tiveram um papel importante na cidade. É dever protegê-los para que “o patrimônio formado pelos armazéns, perdido sua função construtiva, substituída por uma função defensiva, que garantiria a recuperação e uma identidade ameaçada”.6 Esta identidade deve fazer parte das gerações futuras, e perpetuá-la demonstra a preocupação de manter a origem do cidadão santista.

A conservação é necessária, mas com ela a utilização do espaço, e neste caso para a sociedade. Reverter o espaço para ações sociais ou culturais são formas de unir a população com o patrimônio.

Com seus espaços amplos poderiam ser divididos em outros espaços para grupos distintos, com oficinas culturais e exposições diversas. Cabe agora a reutilização, que consiste na reintegração de um edifício desativado a um uso normal, e com isto é necessário que faça um levantamento do real estado do edifício e dos usuários potenciais, e que tenha uma destinação que atenda ao cotidiano.

Há a necessidade do auxílio da gestão pública, a união do porto com a cidade, romper o isolamento criado como estratégia para valorização da infra-estrutura de circulação, pois não podemos esquecer que são áreas alfandegárias. Mas aonde não mais permanece a sua função inicial deve unir-se à cidade, destinar-se aos cidadãos para gerar áreas de lazer e, turismo.”Investir na recuperação do patrimônio histórico, preservando os valores de identidade, que marcam a história da cidade que ela mesma ajudou a construir.”7

Uma cidade portuária é um grande atrativo turístico, possui um diferencial para aqueles que desconhecem o mar e tudo ao seu redor. A cidade tem um cenário perfeito para grupos de turistas interessados neste universo, no mundo por detrás da cidade que hoje dá as costas ao passado que resultou no presente em que vivemos.
Os armazéns, ora esquecidos poderiam ser aproveitados, armazenando agora, os fatos, os registros, relatos daqueles que fizeram a história da cidade e que contribuíram com o trabalho para o desenvolvimento santista, de forma que, os armazéns preservados para as próximas gerações, e perpetuem a memória de muitos homens.
 
1 Atualmente cursando a Especialização: “Cidade e História: Meio Ambiente, Lazer e Turismo”, na Universidade Católica de Santos, UNISANTOS. Graduada em Ciências Contábeis pela mesma Universidade.

2Cia Docas e Banco Nacional, 100 Anos – Porto de Santos: Fev/1992 - Histórico

3Cia Docas e Banco Nacional – Porto de Santos: fev/1992 - Inauguração
4 Silva, Gerardo e Cocco, Giuseppe, introdução de Cidade e Portos – os espaços da globalização. Coleção Espaço do Desenvolvimento. p.10

5NEVES, Maria Fernanda Britto. O Processo de Regionalização do Porto de Santos: introduzindo a discussão do desenvolvimento sustentável. Pesquisa em Pós-Graduação – Série Gestão de Negócios – nº 01. Ed. Universitária Leopoldianum, 2003, p.34.

6CHOAY, Francoise. A Alegoria do Patrimônio. Editora Unesp. p.241

7SILVA, Dimas Lima Cabral. Reconversão de Áreas Portuárias: introdução ao estudo da área central de Santos e sua interface portuária. Pesquisa em Pós-Graduação – Série Gestão de Negócios – nº 01. Ed. Universitária Leopoldianum, 2003, p.29.