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Patrimônio cultural e a memória da metrópole: requalificação urbana e lazer no Brás - parte 2
Débora Dutra Vieira1
 
O processo de metropolização de São Paulo se orientaria, então, no sentido de preencher os espaços vazios que outrora separavam o antigo centro das demais freguesias e núcleos urbanos30 . Tal tendência se manifestaria, por exemplo, através do parcelamento das grandes propriedades, que permitiria uma ocupação mais efetiva dos espaços. Por outro lado, esse fenômeno contribuiria também para o surgimento e disseminação de uma prática que pautaria o crescimento da cidade a partir de então: a especulação imobiliária31 .

Vale ressaltar também que a compleição urbana de São Paulo passaria a apresentar espaços socioeconômicos mais definidos, ou seja, a diversificação de funções da cidade acabaria por regular a ocupação de determinadas regiões, privilegiando o centro como eixo financeiro/comercial e favorecendo o aparecimento de áreas mais especializadas: os bairros industriais e operários, como o Brás, e os bairros residenciais finos, caso dos Campos Elíseos (em um primeiro momento) e de Higienópolis – locais preferidos da aristocracia cafeeira – além da região da avenida Paulista, ocupada pela emergente elite industrial e financeira, composta, sobretudo, por imigrantes enriquecidos e seus descendentes.

A capital paulista se transformaria abruptamente. Por suas ruas circularia a riqueza advinda do café, das indústrias e do comércio, consolidando seu status de centro econômico do Estado e do País. A cidade chegaria às portas do século XX com a promessa de se tornar uma metrópole moderna, espelho das aspirações burguesas de ordem, progresso e civilidade.

A população paulistana, além de crescer vertiginosamente, passaria a apresentar uma nova característica étnica: se até meados dos anos 50 ela era predominantemente mestiça, a partir da segunda metade do século XIX passaria a ser de maioria branca, graças ao deslocamento de fazendeiros enriquecidos do interior para a capital e, fundamentalmente, em virtude da imigração32 .

O intenso processo de urbanização da capital parecia caminhar para a construção de uma cidade totalmente nova, organizada, modelar. Contudo, a despeito da pujança da metrópole, emergiria também a face mais perversa dessa trajetória urbana: a segmentação do espaço, a proliferação de áreas pobres e o descaso do poder público para com as mesmas. A lógica de crescimento da cidade, calcada na reprodução do capital, deixaria claro que a riqueza de São Paulo não seria compartilhada por todos.

[...] mais do que crescer e aumentar a complexidade de sua administração, São Paulo se redefiniu territorialmente. A emergência da segregação como elemento estruturador da cidade foi uma das principais mudanças que ocorreram no período. A partir daí, a segregação urbana seria determinante para a fixação de valores no mercado imobiliário e para a expressão política da disputa do espaço pelos grupos sociais.33


Retornando à região do Brás, ainda na virada do século, se observaria que a mesma seria beneficiada pelo saneamento da várzea e pela canalização do rio Tamanduteí, que originaria o Parque da Várzea do Carmo, futuro Parque D. Pedro II. Porém, a despeito de tais melhorias, as condições básicas do bairro, notadamente nas áreas mais populares – onde os cortiços proliferavam – ainda continuariam precárias, carentes de saneamento, pavimentação e iluminação adequados.

No transcorrer das primeiras décadas do século XX, o Brás se consolidaria como área populosa34 , fabril e proletária. Apesar de abrigar indústrias já no século XIX (alimentícias, têxteis, pequenas metalúrgicas, destilarias), nos anos 20 e 30 o bairro veria tais empreendimentos se multiplicarem, destacando-se aí as instalações das Indústrias Matarazzo e da Fábrica Antárctica.

A vida cotidiana no bairro, regulada pelos rígidos horários das fábricas, orbitaria em torno do trabalho e das dificuldades inerentes à condição de pobreza na qual se encontrava a maioria de seus habitantes, sujeita aos baixos salários e à precária qualidade de vida.

Esse perfil socioeconômico, aliado à sua localização geográfica (próximo à área central) levaria o Brás a ser palco de eventos que marcariam a história da cidade, como as greves de 1917 e 1920 – quando o Largo da Concórdia se transformaria em espaço de comícios e de conflitos entre trabalhadores e policiais – e da Revolução de 192435 .

Ainda nesse período, em 1918, o bairro seria duramente atingido pela epidemia de gripe espanhola, fato este que endossaria a implementação de uma agressiva política sanitarista por parte do poder público. A título de combate às doenças, a municipalidade passaria a intervir de maneira efetiva nas regiões mais pobres da cidade, a fim de fiscalizar e controlar os hábitos de moradia e convivência das camadas populares.

O principal alvo das ações sanitaristas seriam os cortiços:

Com o crescimento dos cortiços, no início do século foi criada a Polícia Sanitária [...] Invadia-se, assim, a privacidade dos moradores para a desinfecção dos focos de epidemia, algumas vezes destruindo-se até o tugúrio, como era chamado, obrigando os moradores a se afastar para a periferia ou muitas vezes a redistribuir em cortiços no centro da cidade onde depois de um tempo reaparecia a mesma situação. Essa forma de controle da população ‘mais perigosa’ com relação à ordem social provocava reações e protestos dos moradores.36


Não obstante a presença dos casarões pertencentes às famílias mais abastadas, das vilas operárias e das modestas casinhas proletárias (alinhadas, sem jardim, estreitas e fundas), os cortiços proliferariam no Brás, assim como em outras regiões da cidade, fruto da grande demanda por moradia e da supervalorização dos terrenos urbanos, que impediria qualquer possibilidade, por parte das classes mais populares, não apenas de adquirir imóveis, mas também de pagar um aluguel por eles.

Para muitos proprietários a divisão de seus lotes ou imóveis em inúmeras e minúsculas “unidades de habitação” se constituiria em permanente fonte de lucros, além de praticamente eximi-los de responsabilidades sobre a manutenção dos mesmos.

Para os operários era impossível viver em casas que não fossem cortiços, os quais, segundo dados do Fanfulla – o mais difundido jornal em língua italiana –, em 1904, acolhiam um terço dos habitantes de São Paulo. Os cômodos, úmidos, enlameados, sujos, com paredes e tetos pretos de fumaça, abrigavam famílias inteiras [...] Faltava ar, luz, espaço, esgotos e higiene. O quintal era comum [...] Portanto, uma situação que, por si só, denunciava o horror de uma miséria difícil de se extirpar, dadas as condições salariais predominantes nas indústrias.37



3. O Brás e a conformação da metrópole
A cidade de São Paulo chegaria ao ano de 1934 com mais de 1.000.000 de habitantes. No Brás, eles seriam quase 83.000 . Se no início do século XX ainda se poderia vislumbrar alguns traços do antigo bairro rural, trinta anos depois a paisagem se transformaria definitivamente.

As indústrias se distribuiriam pelo espaço físico do bairro, como que circundando a estação ferroviária, confundindo-se com as modestas moradias proletárias e com as casas comerciais, construindo uma paisagem um tanto confusa, ora harmoniosa ora caótica, ou ambas ao mesmo tempo. O bairro jamais perderia essa característica.

Não obstante esse aspecto “tumultuado”, o Brás apresentaria ainda outras facetas, pois também despontaria como lugar de lazer e de convivência social na cidade, apesar de ser uma área predominantemente industrial.

Além da própria estação ferroviária39 , o bairro também orbitaria em torno de outro importante referencial: o Largo da Concórdia.

Ponto de confluência de várias ruas, situado praticamente em frente à estação, aí se construiria em 1897 um amplo edifício que abrigaria um mercado municipal que viria a ser desativado em 1906. Arrendado, daria lugar ao célebre Teatro Colombo, um dos mais queridos endereços do Brás. Inaugurado em 1908, passariam por seu palco inúmeras companhias de espetáculo e artistas brasileiros e estrangeiros. O teatro funcionaria normalmente até 1948, quando entraria em decadência e, praticamente desativado, seria destruído por um incêndio em 1966. O Brás nunca mais teria uma outra casa de espetáculos dessa natureza. Em seu lugar, no centro do Largo da Concórdia, se construiria um novo prédio, ocupado até os dias de hoje por uma agência da Caixa Econômica Federal.

O bairro ainda abrigaria inúmeros cine-teatros, como o Mafalda (1912), o Brás Polytheama (1917) e o Oberdan (palco de uma tragédia em 1938, quando morreriam 31 pessoas após um tumulto durante a exibição de um filme). Vários cinemas também marcariam época no Brás, como o Babylonia (1935), o Universo (1938 ) e o Piratininga (1943).

Nenhuma dessas casas se manteria até os nossos dias. Dos prédios por elas outrora ocupados poucos resistiriam, exceção feita ao do Cine Oberdan, que abriga atualmente uma loja de confecções, e ao Piratininga, em péssimo estado de conservação, transformado em estacionamento.

As igrejas do Brás se constituiriam também espaços de referência, reunião e convivência. A antiga igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, marco da história do bairro, viria a ser demolida para a construção da nova Matriz em 1903.

Em 1900, a já arraigada comunidade napolitana faria erigir a igreja de Nossa Senhora de Casaluce à rua Caetano Pinto, e pouco depois, em 1920, os imigrantes originários da região de Bari construiriam a igreja de São Vito Mártir à antiga rua Álvares de Azevedo, atual Polignano a Mare. As datas que homenageiam esses santos são até hoje comemoradas pela comunidade, e as festas costumam atrair visitantes de todas as regiões da cidade. 40

A partir dos anos 30, as vias de comunicação da cidade se expandiriam cada vez mais, ao mesmo tempo que os meios de transporte se diversificariam: as linhas de ônibus se juntariam às linhas de bondes, contribuindo para a progressiva incorporação dos bairros mais distantes à metrópole.

No Brás, a avenida Celso Garcia, em continuação à Rangel Pestana, ultrapassaria os limites da Penha e se tornaria a principal via de acesso entre o centro da cidade e a zona leste. No entanto, o fluxo de veículos estaria permanentemente comprometido em função das célebres porteiras, que interrompiam o tráfego periodicamente ao serem fechadas para que se aguardasse a passagem dos trens.

Matéria recorrente na agenda dos administradores, a questão das porteiras apenas começaria a ser solucionada com a construção do viaduto do Gasômetro em 1948, ligando a rua do Gasômetro ao Largo da Concórdia e desafogando parte do trânsito. A solução definitiva, no entanto, só viria em 1968 com a inauguração do viaduto Maestro Alberto Marino, que “unificaria” a Rangel Pestana e desobstruiria o fluxo de veículos do centro até a zona leste, extinguindo, assim, as porteiras.

Se a construção de tais viadutos, por um lado, resolveria o problema de tráfego unindo as duas pontas da Rangel Pestana, por outro, contraditoriamente, acentuaria a divisão do bairro41 , que hoje apresenta duas feições distintas: a porção mais próxima ao centro, início da Rangel Pestana, onde se encontram a Matriz, as “igrejas italianas” e as poucas cantinas que restaram, e onde prevalece o comércio madeireiro e de peças industriais e automotivas. Do outro lado do viaduto se encontra o setor mais denso, onde se situa o Largo da Concórdia, a estação e onde predomina o comércio popular varejista e atacadista, sobretudo confecções, que atraem consumidores de todas as partes da cidade e também de outros Estados.

Os viadutos, não há dúvida, beneficiariam a circulação motorizada. Porém, acabariam por transformar a avenida Rangel Pestana em um mero corredor de passagem, isolando quase que totalmente o Largo da Concórdia (que em 1966 já havia sofrido um duro golpe com a destruição do Teatro Colombo) e, praticamente, condenando-o ao esquecimento e à degradação, acontecendo o mesmo com a estação de trens.

De maneira geral, as políticas urbanas passariam a privilegiar os espaços públicos enquanto vias de tráfego e circulação, e não como áreas de interação social. O interesse coletivo perderia importância face a necessidade de locomoção.

Durante as décadas de 40 e 50 a população paulistana continuaria a crescer de maneira acelerada: o município somaria 1.326.261 habitantes em 1940, 2.227.512 em 1950 e quase 3.000.000 no ano de seu quarto centenário42 . Nesse período a entrada de imigrantes já seria pouco significativa. Em contrapartida, se intensificaria a migração interna, especialmente nos anos 50.

4. O Brás na segunda metade do século XX
Segundo dados coletados pelo censo de 195043 , do total de brasileiros natos residentes em São Paulo, cerca de 15% já corresponderia a indivíduos nascidos em outras unidades da Federação, sobretudo nos Estados do Nordeste – notadamente Bahia – e em Minas Gerais.

Ao longo dos anos 60 e 70 a região metropolitana intensificaria sua função industrial e a concentração de riquezas. Em 1970 viria a ser responsável por cerca de 58% da transformação industrial do país:

Foram anos de grande impulso para a cidade de São Paulo e seu entorno. Registrava-se um enorme avanço na capacidade instalada de bens duráveis, acompanhado pelo implante de importantes segmentos de bens intermediários e de capital. O crescimento industrial anterior a 1930, a montagem da indústria pesada e o processo de unificação do mercado nacional estiveram, até 1970, identificados com a concentração industrial em São Paulo.44


Seria natural, então, que tamanho desempenho econômico favorecesse os deslocamentos internos, mesmo porque contrastaria com uma distribuição demográfica bastante díspar, caso específico da região Nordeste e do Estado de Minas Gerais que, por terem sediado os mais importantes “ciclos econômicos” do Brasil até metade do século XIX, herdaram expressivos contingentes populacionais. Na década de 70, São Paulo conheceria o auge do movimento migratório que, durante o período, atrairia para a capital cerca de 2.500.000 pessoas45 .

Não obstante o contínuo crescimento demográfico da metrópole, o bairro do Brás, a partir dos anos 40, passaria a sofrer um decréscimo populacional que perdura até os dias de hoje. Em 1967, do universo metropolitano de 5.589.413 habitantes, o bairro responderia por 62.48046 moradores, ou seja, pouco mais de 1% da população.

A expansão industrial agora dirigida para áreas mais afastadas do centro e o crescimento da função comercial no Brás, se constituiriam em fatores de “expulsão” de parte dos moradores do bairro, muitos dos quais optariam por se manterem próximos aos novos pólos de trabalho.
Além disso, as instalações industriais – assim como as construções residenciais – se tornariam cada vez mais obsoletas e inadequadas às novas exigências do setor produtivo. No caso, a sofisticação tecnológica dos equipamentos contribuiria também para o abandono dos antigos prédios.

O próprio poder público também abandonaria as áreas centrais, reduzindo os investimentos a elas destinados e negligenciando sua conservação, seja devido à emergência de novos bairros economicamente mais dinamizados, seja em virtude da progressiva degradação da região central, que perdera tanto sua função produtiva como sua oferta de lazer.

Na área próxima ao Largo da Concórdia e à estação Roosevelt se multiplicaria o comércio varejista, além de bares, hotéis e pensões destinados aos segmentos mais populares que, por sua vez, continuariam a representar a maior parte da população fixa do Brás: migrantes recém-chegados, comerciários, operários, biscateiros, ambulantes, etc.

Na segunda metade do século XX, o Brás gradativamente abdicaria de sua função residencial, se transformando em uma região de passagem. Em 1957, um quinto da área do bairro seria destruída para a abertura da Radial Leste47 . Nos anos 60 e 70 as obras do metrô também contribuiriam para o desaparecimento de parte do patrimônio construído do bairro, desapropriando e demolindo 944 imóveis do antigo Brás48 .

Apesar do bairro figurar como um dos eixos do sistema viário e de transportes da cidade, especialmente após o início das operações da linha leste/oeste do metrô – a estação Brás seria inaugurada em março de 1979 – o local não mais atrairia o interesse da população, tornando-se uma área de transição na metrópole. Continuaria a perder moradores49 e assistiria ao lento processo de deterioração de seu espaço físico.

Hoje o Brás apresenta muitos problemas. Inserido em um contexto urbano complexo e caótico, o bairro sofre com a falta de estrutura e organização para absorver todo contingente de pessoas que circula e trabalha em suas ruas. Apesar de não contar com uma população fixa numerosa, o movimento na área é intenso e os serviços oferecidos são de péssima qualidade, acarretando uma progressiva situação de degradação física e de violência no local. Proliferam-se as habitações coletivas e os moradores de rua, e praticamente todas as calçadas estão tomadas pelo comércio ambulante.

Não obstante esse quadro de dificuldades, deve-se ressaltar que o Brás não é local de exceção. O centro da cidade e os bairros adjacentes apresentam problemas semelhantes, que igualmente se reproduzem em regiões mais afastadas como Pinheiros e Santo Amaro, dentre outras. Contudo, a situação na qual se encontram essas áreas não deixa de refletir a falta de planejamento, a má gestão pública e uma sociedade desmobilizada e segmentada, fruto também de uma metrópole em constante transformação. Entretanto, é esse dinamismo inerente às grandes cidades, a sua capacidade regenerativa, que, contraditoriamente, descortina possibilidades futuras de reversão desse quadro.



O direito ao espaço: receptividade, preconceito e cidadania

A questão da ocupação dos espaços no Brás é bastante controversa, pois além do aspecto meramente físico, carrega elementos socioculturais que acarretarão atitudes de rejeição, ou não, de determinados segmentos em relação a outros. Tal situação delineará um quadro de tensões que traz no seu bojo elementos como alienação, intolerância e preconceito velados e explícitos.

Parte das pessoas, sobretudo antigos moradores e comerciantes do Brás, demonstram um profundo desencanto com as atuais condições e pessimismo quanto ao futuro do bairro.

A memória guarda um bairro ideal, de convivência familiar e pacífica, onde os residentes e os visitantes se confraternizavam em torno das atrações que a região oferecia, como teatros, cinemas, confeitarias e cantinas, além das antigas casas comerciais que, muito finas e tradicionais, atraíam também uma clientela mais sofisticada.

Observa-se uma recorrente alusão à influência italiana no bairro, como uma nostalgia do período imigrantista. Essa referência é um elemento muito presente na memória coletiva, apesar de a maioria das pessoas não ter vivenciado a época em que os italianos predominavam no Brás. Aliás, esse perfil italiano do bairro, apesar de muito tênue atualmente, é exaltado não só pelos antigos freqüentadores, mas pela própria municipalidade e pelos meios de comunicação, em detrimento de comunidades hoje muito mais expressivas no bairro, como a nordestina. 50

Para esses recordadores, no entanto, permanece no imaginário a lembrança de um Brás acolhedor que só atualmente, com a chegada dos nordestinos, é que se torna perigoso, abrigo para desempregados, pedintes e biscateiros. [...] As recordações estão impregnadas de uma visão idílica da família, do bairro e do trabalho. Na medida em que o sonho coletivo vai se desfazendo, em função de todos os problemas decorrentes do crescimento de uma metrópole, o passado tende a se destacar como ideal.51


Constrói-se, então, a idéia de que o processo de degradação e decadência do Brás está inevitavelmente associado à chegada dos migrantes. Para muitos, o intenso afluxo de nordestinos, freqüentemente associados a indivíduos sem qualificação, fez com que o bairro perdesse sua qualidade de vida, afugentando as tradicionais famílias residentes na área e as boas casas comerciais.

Nessa linha de raciocínio, a deterioração do bairro está ligada mais diretamente à “qualidade” do migrante do que à conjuntura socioeconômica na qual está inserida a cidade a partir da década de 1950, onde começam a escassear os postos de trabalho e a despontar com maior intensidade os problemas decorrentes da falta de planejamento e das arbitrárias intervenções no espaço urbano.


1. Os migrantess
A migração nordestina está comumente associada ao fenômeno das secas, ou seja, os períodos de estiagem determinariam o êxodo populacional. No entanto, os fatores de expulsão das populações rurais do Nordeste são bem mais complexos e estão diretamente relacionados às profundas desigualdades regionais que se esboçaram no Brasil, sobretudo a partir da expansão industrial de São Paulo. Os reflexos dessa expansão se fizeram sentir no Nordeste através da falência de indústrias locais, que não conseguiram competir com a produção paulista em termos de qualidade e preço, e da perda gradativa dos mercados interno e externo de cana e algodão, pelo mesmo motivo.

Essa situação pressionou a economia nordestina a também modernizar seu processo produtivo e suas relações de trabalho, dando margem à expropriação e proletarização dos trabalhadores rurais e ao desaparecimento da agricultura de subsistência, impossibilitada de elevar sua produção.

A desmobilização desse grande número de camponeses, agravada ainda por uma estrutura fundiária na qual a propriedade da terra é privilégio de poucos latifundíários, definiu o deslocamento de grandes contingentes populacionais dessas áreas ditas de repulsão para as áreas que demandavam mão-de-obra52 .

Mais recentemente um novo elemento de atração passou a chamar a atenção dos pesquisadores. Como assinala Paul Singer53 , os novos migrantes chegam às cidades também através dos vínculos familiares ou de amizade com antigos migrantes, que de certa forma vão encaminhá-los e inseri-los na nova realidade urbana. Inclusive, tal relação tende a determinar, com certa freqüência, o lugar que esses novos habitantes vão ocupar na estrutura social e econômica da cidade. Este aspecto é particularmente notório no conjunto de trabalhadores ambulantes de nossas ruas.

Pode-se observar, então, que a questão dos deslocamentos populacionais extrapola a idéia que imputa aos migrantes a condição de massa desvalida, que acorre aleatoriamente ao seu destino guiada pelo mero instinto de sobrevivência. O processo de expulsão das populações de áreas economicamente atrasadas como o Nordeste, está intimamente ligado à definitiva inserção da indústria e da agricultura paulistas no modo de produção capitalista. A criação de um excedente de mão-de-obra concentrado nos núcleos urbanos é, por conseguinte, conseqüência desse processo.

Portanto, o fluxo migratório para as cidades se insere em um processo natural de redistribuição da oferta de trabalho para as áreas de maior demanda. No caso específico de São Paulo, contudo, se atingiu um limite onde parte dessa demanda passa a não ser absorvida pela rede produtiva urbana, que tampouco consegue manter esse excedente no âmbito da economia formal. Daí a origem do atual impasse vivido pelas grandes cidades em relação ao comércio ambulante, disseminado, sobretudo, nas regiões mais centrais e densas, como o Brás.

[…] parte dos migrantes que não conseguem se integrar na economia urbana reproduz na cidade certos traços da economia de subsistência sob a forma de atividades autônomas, geralmente serviços: vendedores ambulantes, carregadores, serviços de reparação, etc. Embora tais atividades sejam desenvolvidas no âmbito espacial da cidade, elas não se acham integradas na economia urbana capitalista […].54


Ainda no que concerne à questão das relações solidárias como fator de atração urbana, constata-se que o Brás é hoje uma referência para antigos e novos migrantes, que aí compartilham suas experiências e seus códigos de convivência. Procuram o bairro sobretudo para trabalhar, seja no comércio varejista ou atacadista, nas pequenas e médias indústrias que permaneceram na região e, principalmente, no setor informal, enquanto vendedores ambulantes.

Poucos fixaram residência no bairro, ocupando moradias modestas ou habitações coletivas. A grande maioria se fixou na periferia da cidade, enfrentando diariamente as dificuldades geradas pela má qualidade dos serviços dispensados a essas áreas, como transporte, atendimento médico e saneamento básico deficientes.

2. O arcaico e o moderno
São Paulo, entre o final do século XIX e metade do século XX, cresceu de forma avassaladora. Impressionaram não apenas as profundas transformações sofridas pela cidade, mas a velocidade com que elas se processaram.

Em menos de 50 anos a metrópole paulistana emergiu da riqueza do café, das ferrovias e das fábricas como que por encanto, arrebatando até mesmo seus habitantes que, atônitos ante a diversificação das funções e as novas tecnologias, se viram obrigados a se adequarem a uma nova complexidade urbana.

[...] a nova metrópole emergente era um fenômeno surpreendente para todos, tanto espacialmente, por sua escala e heterogeneidade, quanto temporalmente, tão absoluta era a sua ruptura com o passado recente. Afora uma inexpressiva minoria, que desfrutava o raro privilégio das viagens internacionais, a maciça maioria das população ignorava por completo a experiência de viver numa metrópole, até o momento em que foi inadvertidamente envolvida numa. Tanto a forma histórica da metrópole, quanto as moderníssimas tecnologias implicadas nela para transporte, comunicações, produção, consumo e lazer, a experiência mesma de assumir uma existência coletiva inconsciente, como massa urbana, imposta por essas tecnologias, se abateram como uma circunstância imprevista para os contingentes engolfados na metropolização de São Paulo.55


Tantas novidades não deixaram margem de sobrevivência para a São Paulo rural, nem mesmo para reminiscências desse período. A memória da “cidade caipira” foi varrida por um vendaval de modernidade que acabou por transformar não apenas a paisagem da capital, mas também o comportamento e a mentalidade de seus habitantes.

No transcorrer dos anos a população paulistana absorveu novas características, próprias dos grandes centros urbanos e distintas daquelas que, segundo Simmel56 , marcam as sociedades rurais e as pequenas cidades.

Conforme sugerem as leituras de Sevcenko e de Simmel57 , o homem metropolitano, inserido em um sistema extremamente difuso, fragmentado e diversificado, acabou por desenvolver códigos de conduta e de convivência particulares, construídos no bojo de um sistema fundamentado na complexidade de estímulos, na variedade de relacionamentos urbanos e na diluição dos valores tradicionais, implicando em uma certa complacência diante da diversidade e em uma maior racionalização das relações humanas. Tais características, ao mesmo tempo que o faz comungar com o espírito cosmopolita, o protege do turbilhão metropolitano, alimentando a postura impessoal tão própria do homem urbano, não raras vezes confundida com arrogância ou indiferença.

A metrópole passa a se apresentar, então, como refratária a um modo de vida comunitário – típico das sociedades rurais – que, na tentativa de fincar raízes no espaço das grandes cidades, reiterando e reproduzindo seus valores, acabam despertando sentimentos de estranheza e rejeição por parte da população urbana.

A polêmica questão da migração nordestina para São Paulo ilustra bem essa sutileza metropolitana e esclarece, em parte, o desagrado de uma parcela significativa da população em relação à presença dos migrantes na cidade.

Pode-se aferir, então, que o fato de a maioria dos migrantes proceder de áreas rurais, ou estar originalmente vinculada à estrutura produtiva agrária, contribui para a dificuldade de assimilação desse segmento no contexto metropolitano, distintamente do que havia ocorrido com os imigrantes europeus desde o fim do século passado.

Em contraste com a força de trabalho nativa, composta sobretudo de habitantes das zonas rurais, avezada a um regime de trabalho de terça ou de escravidão, os imigrantes haviam sido, amiúde, habitantes de cidades ou tinham, pelo menos, experiência de trabalho assalariado e eram sensíveis aos seus incentivos.58


O componente mental é um elemento que reforça o estigma do migrante, mas, no entanto, não esgota a questão. Não obstante ser uma característica inerente a segmentos urbanos e rurais, as diferenças de comportamento e de mentalidade não justificam, por si só, a resistência e a rejeição ao migrante, e não deixam de se converter também em uma forma de preconceito.

É interessante notar que o fluxo migratório para São Paulo não foi exclusivamente nordestino, uma vez que a cidade recebeu também um grande contingente de mineiros, além de fluxos menos intensos de outros Estados do País. Porém, quando se discute migração a associação com nordestinos é praticamente imediata, adicionada ainda de uma certo tom pejorativo.

Tal situação se deve, primordialmente, a dois fatores: o primeiro é que migração, para setores expressivos da sociedade, passou a ser sinônimo de problemas; e o segundo é que o Nordeste passou a estar definitivamente associado a um quadro de atraso social, econômico e até cultural. A soma dessas duas concepções marcará profundamente o entendimento da migração dos nordestinos, configurando-os enquanto indivíduos destoantes do perfil moderno de nossa metrópole.

Paralelamente, é importante lembrar que vários grupos urbanos, como os antigos freqüentadores do Brás, retêm hoje na memória uma imagem ideal dos imigrantes que aqui se estabeleceram. Percebe-se a introjeção da idéia de plena identificação da cidade ao perfil supostamente mais civilizado do europeu, elemento mais adequado em um contexto de crescimento urbano. Recorre-se ainda a esse período como a uma fase de progresso harmonioso. Porém, é curioso constatar que essa imagem, muitas vezes, distorce a realidade dos fatos:

A população local passou a demonstrar seu ressentimento em relação ao estrangeiro, que não só tornava mais agudos os problemas urbanos com sua mobilidade acelerada para as cidades, como a frustrava com a utilização intensiva dos canais de ascensão sócio-econômica. Em correspondência a essa xenofobia, desenvolveu-se entre as massas imigrantes um sentimento de hostilidade contra o meio. Nos anos de 1892 e 1896, por exemplo, o antagonismo entre os grupos brasileiro e italiano na Capital, que refletia as insatisfatórias condições de vida de ambos, tomou a forma de sérios conflitos de rua. 59


Através dessa passagem, fica claro que o passado acaba sendo reconstruído como ideal, isento de contradições e conflitos, cuja principal referência é o elemento que melhor representa a idéia de modernidade, civilidade e progresso: o imigrante. Tal reconstrução mental pode ser interpretada como uma resposta à nova realidade urbana, cuja referência é o elemento associado à pobreza, à limitação intelectual, à violência, enfim, ao atraso: o migrante.

A entrada de grandes contingentes de migrantes, já confrontada com a complexidade metropolitana, foi definitivamente relacionada à perda de qualidade de vida na cidade. No caso do Brás, o afluxo de nordestinos, e posterior multiplicação dos ambulantes, foram apontados como fatores decisivos para o abandono do bairro por parte dos moradores tradicionais, assim como pelas casas comerciais e de espetáculos mais antigas. Raramente se alude a questões mais complexas que envolvam a incompetência do poder público ou mesmo da própria sociedade

O inexorável caminhar de São Paulo rumo à modernização, acelerado pela presença dos imigrantes, passa a ser ameaçado, assim, por inúmeros problemas causados não por qualquer motivação interna, mas por um fator exterior de desequilíbrio traduzido na presença do migrante que, espelho de um arquétipo com o qual a sociedade urbana não quer se identificar, será, em última análise, o responsável por tudo que possa obstruir o projeto civilizador da metrópole.

No momento em que a crise social está a pedir a geração do novo, os entraves se avolumam, se entrechocam e o desejo social politicamente orientado se detém apenas na certeza do que é negado, do que não pode ser, do que não pode vingar […].60


A história da migração nordestina para São Paulo está ligada a um contínuo processo de espoliação social e econômica, assim como de destituição cultural. Este último aspecto, em particular, trará conseqüências importantes para o migrante no que diz respeito à auto estima e às suas próprias referências de vida, gradativamente perdidas em uma relação de subalternidade com o padrão dominante.

A desvalorização e depreciação da cultura nordestina passa pelo não reconhecimento dela enquanto expressão cultural válida e, simultaneamente, pela negação do acesso desses setores populares à produção do saber “oficial”.

É preciso salientar que as camadas pobres e destituídas estão inseridas em uma sociedade produtora de uma cultura elitista que, através de seus mecanismos de comunicação e controle social, solicita seu enquadramento nos novos parâmetros de convivência urbana ao mesmo tempo que deixa claro os limites quase intransponíveis para alcançá-los, fator este fundamental no processo de isolamento e exclusão sociocultural.
 
1 Débora Dutra Vieira é historiadora, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e mestre em Turismo pelo Centro Universitário Ibero-Americano. Desenvolve pesquisas na área de Patrimônio Cultural e Turismo, atuando também no mercado editorial.

2 SEVCENKO, Nicolau. Não temos a menor idéia: a tragédia da metrópole que prometia ser modelo de civilização cosmopolita e hoje vive aturdida, sem saber como sair do caos. Carta Capital, ano 6, n. 7, p. 24.

3 Ibidem, p. 26.

4 O relacionamento permissivo envolvendo o poder o público e os interesses privados no Brasil não surge apenas nesse período, mas se manifesta desde a época colonial. Dentre os livros que tratam do assunto destaco a obra de Raymundo Faoro, Os donos do poder.

5 O SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) foi criado em 1937.

6 SEVCENKO, Nicolau, op. cit. p. 34.

7 PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. p. 96.

8 SILVA, Raul A. São Paulo nos tempos coloniais. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.). A cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana. p. 20.

9 O povoado de São Paulo seria elevado à categoria de vila em 1560, adquirindo, assim, uma nova função: a político-administrativa.

10 SILVA, Raul A. São Paulo nos tempos coloniais. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.), op. cit. p. 21.

11 PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit. p. 102.

12 SILVA, Raul A. São Paulo nos tempos coloniais. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org), op. cit. p. 40. É oportuno que se registre, nesse período, o aumento da parcela de negros na população, comercializados como escravos para fins de mão-de-obra na agricultura e no trabalho doméstico.

13 A antiga Estrada da Penha seria chamada, posteriormente, avenida da Intendência e, atualmente, corresponderia ao corredor Rangel Pestana/Celso Garcia.

14 WILHEIM, Jorge. São Paulo, metrópole 65: subsídios para seu plano diretor. p. 56-57.

15 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem à província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1976. p. 147-148. Apud REALE, Ebe. Brás, Pinheiros, Jardiins: três bairros, três mundos. p. 7.

16 MATOS, Odilon N..São Paulo no século XIX. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.), op. cit. p.52-53.

17 Ibidem, p. 55. O Brás, especificamente, contaria com 659 habitantes, dos quais 328 brancos, 175 mestiços e 156 negros. (p. 58).

18 Por essa época encontramos a freguesia do Brás com quase 1.000 habitantes. A maioria morava no centro da cidade e só comparecia à freguesia em fins de semana, nos meses das festas Juninas ou em épocas do Natal e fim de Ano. Nos outros dias os casarões, que então existiam espalhados pelas chácaras e sítios, eram habitados pelos caseiros que durante o dia trabalhavam na lavoura. SESSO JR, G. Retalhos da velha São Paulo. p. 51.

19 Ibidem, p. 49-51.

20 TORRES, Maria Celestina T. M. O bairro do Brás. p. 91.

21 BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. v. 3. p. 912.

22 É fundamental lembrar que a conjuntura nacional, nesse período, era marcada pela crise da sociedade escravocrata, que redundaria na abolição da escravatura em 1888, e pelo desgaste político da monarquia, que culminaria com a proclamação da República em 1889.

23 A Sociedade Promotora da Imigração, fundada em 1886 por fazendeiros paulistas, respondia pela introdução de mão-de-obra estrangeira no Estado de São Paulo e pela administração da Hospedaria dos Imigrantes.

24 A ênfase dada à imigração italiana se justifica não apenas em função da quantidade de imigrantes, mas sobretudo à profunda influência que exerceu sobre o bairro do Brás. No entanto, é importante registrar a significativa presença da comunidade espanhola, além da portuguesa, libanesa e judaica.

25 A antiga hospedaria dos imigrantes, oficialmente inaugurada em 1888, encerrou suas atividades em 1978. O complexo arquitetônico onde funcionava foi tombado pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) em 1982, assim como seu acervo arquivístico. Hoje abriga o Memorial do Imigrante, aberto à visitação pública de terça-feira à domingo das 10h00 às 17h00, à rua Visconde de Parnaíba 1316, no Brás.

26 Vale observar que, concomitante à chegada de trabalhadores estrangeiros, também afluíram para São Paulo trabalhadores nacionais procedentes de regiões menos dinamizadas do País. Contudo, o volume de imigrantes nessa época fez com que a migração interna passasse mais despercebida. No início do século XX, porém, especialmente na década de 20, se verificaria uma entrada significativa de migrantes com destino às fazendas de café (mais de 100 mil trabalhadores). PETRONE, Maria Tereza S. Imigração. In: FAUSTO, Boris (Dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo 3, v. 9, p. 132.

27 A partir de 1872 as ruas do bairro receberiam iluminação à gás, fornecida pela Cia. Inglesa São Paulo Gás Co. Ltda., instalada à rua do Gasômetro. Já em 1877 chegaria ao Brás a primeira linha de bondes (com tração animal), um prolongamento da linha da Cia. Carris de Ferro que faria da recém inaugurada Estação do Norte seu ponto final (posteriormente seus trilhos se estenderiam até a Penha). As primeiras linhas de bondes elétricos seriam inauguradas em 1900.

28 TORRES, Maria Celestina T. M., op. cit. p. 112.

29 MATOS, Odilon N. São Paulo no século XIX. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.), op. cit. p. 82.

30 WILHEIM, Jorge, op. cit. p. 13.

31 No caso, o proprietário retalhava o terreno e vendia parte dos lotes, originando assim um núcleo habitacional. Posteriormente, passava a pressionar o poder público para que se implementassem melhorias na área (saneamento básico, iluminação, etc.). Após conseguir os benefícios, o proprietário vendia os terrenos restantes, já valorizados.

32 Nas duas primeiras décadas do século XX São Paulo passaria de quase 240.000 para 579.033 habitantes. Em 1920, cerca de dois terços dessa população era formada por estrangeiros e seus descendentes. PETRONE, Pasquale. São Paulo no século XX. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.), op. cit. p. 125. PETRONE, Maria Tereza S. Imigração. In: FAUSTO, Boris, op. cit. p. 120.

33 ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. p. 28.

34 Segundo recenseamento realizado em 1920, o Brás responderia por um total de 66.883 habitantes, ou seja, por mais de 10% dos moradores da capital (TORRES, Maria Celestina T. M., op. cit. p. 212).

35 Movimento deflagrado por setores descontentes das Forças Armadas, sobretudo oficiais de baixa patente que, desde o início do período republicano, rebelavam-se contra o poder central instituído. Em 1922, o movimento – tenentismo – ganharia visibilidade com o episódio do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. Em 1924 atingiria parcelas minoritárias das guarnições de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Na capital paulista, Moóca e Brás, devido à proximidade com a região da Luz (local onde se concentravam os rebeldes) seriam palco dos conflitos mais acirrados entre os revoltosos e as tropas legalistas. Os dois bairros chegariam a ser bombardeados, e parte de seus moradores viria a abandonar suas casas.

36 PICCINI, Andrea. Cortiços na cidade: conceito e preconceito na reestruturação do centro urbano de São Paulo. p. 28.

37 TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. p. 138.

38 ARAÚJO FILHO, J. R. A população paulistana. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.). Op. cit., p. 179, 237.

39 A Estação do Norte mudaria de nome em 1945, passando a se chamar Estação Presidente Roosevelt, em homenagem ao político norte-americano.

40 A festa de Nossa Senhora de Casaluce se realiza durante todos os finais de semana do mês de maio, e a de São Vito nos finais de semana de junho, em suas respectivas paróquias.

41 Desde que a ferrovia cortou o Brás ao meio e o bairro se definiu territorialmente enquanto área fabril e operária, já se podia verificar a existência de duas áreas com características um pouco distintas: a região da rua Caetano Pinto e da igreja Matriz apresentava um traçado mais regular e organizado, onde predominavam moradias e indústrias. Já a área próxima à estação e ao Largo da Concórdia era dominada pelo comércio, pelos teatros e pelos cinemas, sem deixar, no entanto, de abrigar fábricas e residências. Contudo, até a inauguração dos viadutos, as duas partes se complementavam e articulavam o bairro.

42 PETRONE, Pasquale. São Paulo no século XX. In: AZEVEDO, Aroldo de (Org.), op. cit. p. 158.

43 Ibidem, p. 191.

44 PATARRA, Neide et al. (Org). Migração, condições de vida e dinâmica urbana: São Paulo, 1980-1993. p. 44.

45 Ibidem, p. 42.

46 TORRES, Maria Celestina T. M., op. cit. p. 217.

47 BRÁS. São Paulo: memória em pedaços. São Paulo. TV Cultura, 25. jan. 1999. Programa de TV.

48 FRÚGOLI JÚNIOR, Heitor. São Paulo: espaços públicos e interação social. p. 33.

49 Em 1996 o bairro contaria 26.665 moradores. A população paulistana somaria 9.839.066 habitantes. SP em movimento. Folha de S. Paulo, 2. set. 2000, p. C4.

50 Registre-se, ainda, o grande número de coreanos que se estabeleceram no Brás, principalmente como proprietários de confecções, e também o contingente de imigrantes bolivianos – clandestinos em sua maioria – que, freqüentemente, subempregam-se nas confecções coreanas.

51 RIBEIRO, Suzana B. Italianos do Brás: imagens e memórias, 1920-1930. p. 155.

52 É importante registrar que uma parcela significativa de migrantes não procedia da região semi-árida, e sim da zona da mata nordestina – área próxima ao litoral, densamente povoada e onde se desenvolveram as atividades econômicas mais importantes da região, como as agro-indústrias da cana e do algodão. Não obstante o fato da maioria dos migrantes estar vinculada à estrutura agrária, não foram apenas trabalhadores rurais que abandonaram seus locais de origem. As populações urbanas das grandes cidades e das capitais regionais do Nordeste – que também receberam fluxos migratórios – igualmente se deslocaram em direção ao centro-sul. VESENTINI, José W. Brasil: sociedade e espaço. 14. ed. São Paulo: Ática, 1991.

53 SINGER, Paul. Economia política da urbanização. p. 57.

54 Ibidem, p. 47.

55 SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. p. 40.

56 Georg Simmel, sociólogo alemão do início do século XX, entendia as sociedades rurais e as pequenas cidades como produtoras de um estilo de vida e de uma atitude mental essencialmente comunitárias – no sentido estrito da palavra – calcadas em relações solidárias, arraigadas e com forte apelo emocional, traduzidas sobretudo no apego às tradições e a normas de conduta preestabelecidas, o que impede ao “homem rural” transitar livremente pela multiplicidade e dinamicidade da metrópole.

57 SEVCENKO, Nicolau, op. cit.; SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental.

58 DEAN, Warren. A industrialização durante a república velha. In: FAUSTO, Boris (Dir). História geral da civilizaçãobBrasileira. Tomo 3, v. 8, p. 252.

59 BEIGUELMAN, Paula. A crise do escravismo e a grande imigração. p. 46.

60 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. p. 114.