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SETEMBRO/2006: Vivendo a Paisagem da Vila de Paranapiacaba
Felipe Saluti, Jenifer Sabatini e Rodrigo Bonicenha
 
RESUMO: O presente trabalho aborda uma análise sensorial da Paisagem da vila de Paranapiacaba. O objetivo é estimular o pensar do leitor através dos sentidos e, ao mesmo tempo, fazê-lo enxergar as mudanças organizacionais ali encontradas. Esta leitura vem desmascarar modelos e ideologias socioeconômicas do local que estão cristalizadas na vida dos moradores.

ABSTRACT: This work is an analysis of the landscape of the village of Paranapiacaba. The objective is to reach the reader’s thought through the senses and at the same time make the reader see the organizational changes found there. This work comes to take out the masks of the socioeconomic models and ideologies of that place, which are crystallized in the lives of the village dwellers.










Patrimônio e Paisagem

O patrimônio ferroviário da vila de Paranapiacaba (maior patrimônio britânico do mundo fora da Inglaterra), localizado no município de Santo André faz do mesmo uma unidade geográfica de gestão patrimonial, onde são formuladas políticas públicas municipais, despertando interesse em muitos turistas e pesquisadores que devido à descoberta (“o novo não se inventa, descobre-se”) da complexidade que envolve esta vila tornam-se deveras estimulados a participar e discutir as transformações desta paisagem.

Entre os geógrafos, a discussão de um conceito para paisagem não tem fim, entretanto a dificuldade é intensificada para se chegar a um consenso quando a estes se unem profissionais de outras ciências. A análise da paisagem, portanto, vai depender dos critérios utilizados por cada pesquisador.

Partimos do princípio que observando a paisagem conseguimos enxergar a realidade através da análise do processo histórico geográfico que permanece latente aos nossos olhos enquanto não nos preocupamos em conhecer as transformações que acompanham intrinsecamente a sociedade ao longo do tempo. Desta forma podemos utilizar a linguagem visual dialeticamente no espaço, negando a cada momento o que antes era tido como verdade e reavaliando constantemente as mudanças paisagísticas e as causas destas.

Segundo Milton Santos (1978),

“a cidade de hoje é o resultado cumulativo de todas as outras cidades de antes, transformadas, destruídas, reconstruídas, enfim, produzidas pelas transformações sociais ocorridas através dos tempos, engendradas pelas relações que promovem estas transformações”

Paranapiacaba possui rugosidades espaciais de um período (fim do século XIX e início do século XX) em que a atividade ferroviária estava pujante, em virtude da política agroexportadora adotada pelo governo brasileiro na República Velha. A exportação de café foi o principal gerador de capital paulista nesta época, transformando completamente a paisagem local com a implantação da ferrovia ligando o Porto de Santos à capital (São Paulo), tendo como uma das conseqüências a construção desta vila que fora pensada como moradia dos trabalhadores de um dos patamares da ferrovia que atravessa a escarpa do mar.



Análise da Paisagem da Vila de Paranapiacaba

Analisar a paisagem é abrir o campo sensório e refletir sobre todas as impressões causadas. Ver, tocar, ouvir, cheirar e saborear a paisagem faz pensar sobre a profundidade que se encontra latente na aparência do observável, faz buscar as relações desenvolvidas no lugar através da essência, deixando de lado a permutação criada pela aparência.

Ao observar a paisagem em um dos pontos mais altos da cidade, fazendo uma leitura de 360°, percebe-se um contraste dinâmico entre a velha ferrovia que trás consigo a construção de uma territorialidade específica para seu funcionamento e os mares de morros extensivamente florestados caracterizado por profundo e generalizado horizonte de decomposição de rochas, com densa rede de drenagem perene numa planície de inundações meândricas.

Ao vivenciar esta paisagem percebemos a racionalidade de uso e desuso humano, da economicidade e dos caminhos espiralados de continuidade e descontinuidade históricas. Numa análise prematura pode-se entender que não foi uma idéia muito boa atravessar toda a escarpa do mar com uma estrada de ferro, sobretudo pelas grandes dificuldades que tiveram que enfrentar os construtores da mesma além de economicamente parecer um projeto inviável, mas sabia-se que seria um grande investimento e que o retorno seria grandioso para a classe burguesa que se reproduzia aceleradamente no Brasil. Dos anos do café até a fixação irreversível da indústria no Brasil, são estes trilhos que transportam produtos, insumos, bens de capital e força de trabalho ao oceano atlântico.

Um local muito visitado em Paranapiacaba é o “castelinho”, (residência do engenheiro que coordenava os trabalhos na vila). Nota-se claramente a localização estratégica em que se encontrava, de onde podia vigiar toda a vila e conseqüentemente todas as pessoas trabalhando. Estruturalmente, em todos os locais, havia manobras claras de se controlar os moradores. Estas são visíveis ainda hoje.

A partir da década de 1950 se reverte o valor de troca dos trilhos tornando-os desnecessários para o acúmulo do capital, já que o propósito do governo da época é criar condições para os capitais mundiais se instalarem no Brasil. Essa inversão e concomitantemente a desvalorização do uso dos trilhos pode e deve ser pensada no seu todo. A auto-estrada como o próprio nome diz está intrinsecamente ligada à produção automobilística. Esses anos expressam a utilidade do Estado como agente apropriativo, expropriador e espoliador do espaço, organizando-o para atender a intensa pressão do imperialismo do capital que exigia mais velocidade no transporte e em seu fim chegar ao mercado dando início à sua circulação.



Considerações finais

Pautando-se um pouco mais na discussão dos valores presentes em Paranapiacaba percebemos que a forte relação que a vila obtinha com o oeste paulista e com a cidade de Santos vai perdendo o sentido e enfim os valores de uso, se tornando um lócus obsoleto para o capital, abandonada a uma economia minimamente ativa.

Nos dias atuais, o que vemos nesta paisagem é o passado sendo reapropriado e reutilizado, o que Milton Santos chamaria de “paisagem viúva”, isto é, construída para uma determinada função e sendo reutilizada para outra.

Dentro deste prisma de contradições espiralizadas que constituíram a cidade turística dos dias atuais não se finaliza na discussão da paisagem ou de sua formação. O próprio “eco-turismo” é uma dinâmica que vê pautada dentro de uma ideologia de “cidadãos” de um mundo inter-relacionado pela fibra ótica, é uma forma de apropriação privada via ação do Estado para recriar um valor de troca sobre o lugar que é reapropriado pela economia passando a vender “paisagens naturais”.
 
1 Aluno do curso de geografia da Fundação Santo André, membro do grupo de estudos de cartografia (GECART), sócio da AGB-SP.

2 Aluna do curso de geografia da Fundação Santo André, membro do grupo de estudos de cartografia (GECART), sócia da AGB-SP, estagiária no departamento do uso do solo metropolitano (DUSM) da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

3 Aluno do curso de geografia da Fundação Santo André.