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Turistas de negócios na cidade de São Paulo: teoria versus a realidade
Debora Cordeiro Braga1
 
Resumo: Este artigo apresenta resultados parciais da tese exploratória-descritiva defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com o qual objetiva-se discutir as características do turista de negócios na cidade de São Paulo. Para tanto foi adotado o artifício de segmentação de demanda para viabilizar a investigação deste público em grandes feiras de negócios realizadas na capital paulista. A caracterização do público investigado revelou que existem diversas variáveis sócio-demográficas do turista de negócios que se aproximam de considerações feitas em obras sobre o tema. Entretanto, a avaliação sobre os tipos de equipamentos e serviços requeridos por turistas de negócios mostrou a existência de uma significativa demanda por hotéis de médio conforto, contrariando autores que vinculam o turista de negócios a produtos de luxo.

Abstract: This article presents the partial results of the exploratory-descriptive thesis defended at the Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, which aim is to reveal and discuss the characteristics of the business tourist in the city of São Paulo. In that case, it has been adopted the segmentation of demand method, in order to make feasible the investigation of this public in big business fairs that took place in the state capital. The characterisation of the surveyed public revealed that there are several socio-demographic variables of the business tourist that are close to the considerations made in other works on the theme. However, the evaluation of types of equipment and services required for business tourists revealed the existence of a significant demand for hotels of average comfort, contradicting authors who associate the business tourist to luxury products.










Introdução

O presente artigo tem o objetivo de discutir conceitualmente as características do turista de negócios e verificar, com apoio em uma pesquisa exploratória-descritiva, a realidade deste tipo de turista na cidade de São Paulo, com o propósito de contribuir para uma reflexão sobre os atributos deste segmento e seus interesses pelo destino visitado.

O notório fato de São Paulo constituir-se em um centro comercial de relevância para a economia nacional, aliado às condições dos serviços e equipamentos turísticos oferecidos e às campanhas institucionais de captação de eventos para a cidade, tornam a capital paulista palco de inúmeros encontros de negócios de abrangência nacional e internacional. Este conjunto de fatores caracteriza o município como destino de turismo de negócios e, conseqüentemente, justifica sua escolha como espaço de investigação. Segundo Martins (2002:3-4) pesquisas do São Paulo Convention & Visitor Bureau (SPC&VB) apontam que são realizados, aproximadamente, 74 mil eventos, entre feiras, congressos, convenções, treinamentos e encontros educacionais, na cidade, por ano.

Para viabilizar a pesquisa do vasto, abrangente e diversificado universo dos turistas de negócios que visitam São Paulo, utilizou-se o critério de segmentação geográfica (Lage, 1992: 61-74), para especificar, dentre todos os turistas de negócios de São Paulo, apenas aqueles que freqüentam grandes feiras comerciais, também chamadas de negócios. Assim o objeto de investigação da pesquisa foi restringido aos turistas encontrados em grandes feiras comerciais2 com o propósito de realizar negócios, pois se constatou que só utilizando o artifício metodológico seria possível realizar um estudo, em profundidade, que pudesse dar informações reais e confiáveis sobre turistas de negócios.

A maioria das obras que tratam do tema destaca o turista de negócios como um público com alto poder de consumo, que se utiliza de serviços de agências de viagens corporativas, hotéis, restaurantes e serviços de entretenimento da categoria luxo, além de não terem tempo para realizar passeios ou desfrutar de momentos de lazer. Entretanto a pesquisa em questão constatou que muitas destas características não são verdadeiras para um percentual significativo de turistas de negócios que freqüentam grandes feiras da cidade de São Paulo.



Caracterização dos Turistas de Negócios

Antes de discutir as características do turista de negócios é mister verificar o que a literatura aponta como turismo de negócios. Inicialmente é inevitável considerar que o turismo de negócios se diferencia do turismo de lazer, mas não necessariamente são tipos ou segmentos que se opõem. Entretanto observa-se que existem diversas óticas de análise e conceituação do turismo de negócios. Por exemplo, Moraes (1999:31) explica o turismo de negócios como um segmento determinado pela motivação da viagem - negócios - que, por isso, tem características específicas. Ansarah (1999:35-55) aborda que se trata de um segmento do turismo que ocorre em metrópoles ligadas à indústria e aos serviços, e também relaciona esta modalidade de turismo a eventos que impulsionam a realização de contatos profissionais ou a obtenção de conhecimentos que favoreçam negócios. Buscando apoio para definir o turismo de negócios verificou-se que Beni (2002:423) explica este tipo de turismo relacionando características do público, locais onde ocorre e atividades desenvolvidas no destino.

De maneira geral o exame da literatura revelou que nem sempre há consenso entre os autores, principalmente quanto às subdivisões ou modalidades do Turismo de Negócios. Todos concordam, porém, que o termo é aplicado ao turista que faz negócios, aqui entendidos como transação comercial de compra e venda, além de prestação de serviços, visitas técnicas e outras atividades profissionais como reuniões e treinamentos.

Diante da polêmica conceitual, optou-se em adotar as idéias de Cunha (2001:51-52), que concilia negócios e exercício profissional e destaca a importância dos centros urbanos, industriais e localidades que possuam centros de congressos e exposições, como os principais destinos do Turismo de Negócios, assim, a definição adotada nesse artigo foi construída com base neste autor:

•Turismo de Negócios é o conjunto de atividades de visitação praticado em lugar diferente daquele de residência habitual de pessoas que viajam com as finalidades de realizar negócios, cumprir tarefas profissionais, participar de eventos de caráter comercial, ou simplesmente, estabelecer contatos que possam gerar futuros negócios, nos mais diversos ramos da economia.


Para compor a definição de turista de negócio vários autores foram considerados, entre eles Lickorish e Jenkins (1997:74) que apontam que os turistas de negócio demandam os mesmos serviços que os turistas de lazer (transporte, alojamento, alimentação e serviços locais), entretanto, a diferença está na categoria dos serviços que, muitas vezes, são de luxo e na opção por alojamento em localizações estratégicas para a realização do negócio, sem muita preocupação com o preço, pois as despesas são pagas pelas empresas.

Entretanto, observações empíricas mostram que existem pequenos negociantes que se hospedam em hotéis simples localizados junto às ruas comerciais dos grandes centros urbanos, que pouco utilizam serviços complementares como táxis ou guias bilíngües e, muito menos, serviços de luxo, contradizendo Lickorish e Jenkins (1997). Por exemplo, Canovas (2004:156) pesquisando o caso de Salvador, verificou que o turista de negócios arca com parte de seus gastos de viagem e indicando que estes não buscam serviços de luxo.

Outra característica dos turistas de negócios citada por Swarbrooke (2000:85) é a maior freqüência das viagens, em comparação ao turista de lazer, o que os tornam mais exigentes porque têm experiência acumulada. No entanto, não se deve confundir luxo com qualidade. O turista de negócios precisa de serviços eficientes, que atendam às suas necessidades que, usualmente, são individualizadas e próprias, pois elas não se enquadram no perfil de produtos estruturados para o turismo de lazer, como pacotes turísticos ou serviços padronizados e inflexíveis.

Acrescenta-se à discussão sobre as características do turista de negócios a relação deste público com o tempo livre e as atividades de lazer que podem ser realizadas nos lugares visitados. Lickorish e Jenkins (1997:74) destacam que os órgãos de turismo de muitos países ainda não consideram a potencialidade do turista de negócios como turista de lazer perdendo oportunidades em função da pouca divulgação de opções de entretenimento para este público.

Nesta linha de raciocínio, Holloway (1992:37-39) aponta a necessidade de planejamento voltado para o turista de negócios, que consome as mesmas facilidades que o turista de lazer, inclusive entretenimento e recreação, mas ressalta as diferenças que precisam ser consideradas por profissionais do turismo, uma vez que o turista de negócios viaja para locais que, nem sempre, fazem parte de roteiros turísticos.



Turistas de Negócios em São Paulo

Diante dos resultados obtidos com a pesquisa empírica comprova-se, efetivamente, que as feiras comerciais de grande porte, realizadas na cidade de São Paulo, são freqüentadas por turistas motivados a realizar negócios, assim se constituem em eficiente espaço de pesquisa para a investigação do segmento de turistas de negócios.

Com relação às características dos turistas constata-se, quanto aos locais de origem, que existe público estrangeiro e proveniente de todo o Brasil, mas é muito significativo o número de turistas de negócios vindos de regiões mais próximas a São Paulo, fato que deve ser pesquisado em profundidade porque a literatura costuma relacionar o turismo de negócios a um fluxo internacional de pessoas esquecendo-se de considerar o potencial de mercados domésticos que podem ser bastante interessantes para empreendedores do setor de turismo.

Quando ao gênero dos turistas verifica-se que realmente o número de homens de negócios em viagens é maior que o das mulheres. Entretanto estas têm uma participação significativa o que serve como elemento para entender ações de empreendimentos hoteleiros voltados exclusivamente para as mulheres de negócios, como explica Nishimura (2000:230). Outros pontos que caracterizam o turista de negócios estão ligados à faixa etária que confirma que se trata de um público adulto, componente da população economicamente ativa, com elevado grau de instrução, na maioria casados, responsáveis pelo sustento da família. Estes dados podem contribuir para ampliar e confirmar as especificidades do turista de negócios como segmento de demanda.

Referente à renda familiar, verifica-se que o público de turistas de negócios é composto, principalmente, por pessoas com renda familiar mensal entre R$1.000 e R$10.000, valores que mostram que a grande parte dos turistas de negócios tem alto poder aquisitivo, pois segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB)3 a renda média de uma família da classe A1 é de R$7.793 e da classe C é de R$927. Assim estes dados confirmam as informações que constam nas obras de referência sobre este segmento ser composto por pessoas abastadas, entretanto não se pode desconsiderar que existe uma parcela de turistas de negócios das classes B2 e até C que tem um poder de compra bastante reduzido em relação aos elementos das classes A1, A2 e B1.

Com relação à ocupação dos turistas de negócios observa-se um grande destaque para profissionais liberais e proprietários de empresas de pequeno porte, realidade que comprova a existência de uma significativa parcela de profissionais que trabalham sem vínculo empregatício, pois são autônomos ou donos de seu próprio negócio não estando respaldados por empresas corporativas com verbas abundantes para financiar viagens de seus funcionários. Acredita-se que esta descoberta seja um dos elementos mais importantes para desmistificar o turista de negócios como um esbanjador de recursos financeiros que usufrui serviços de luxo em viagens de trabalho.

Quanto ao tempo de permanência do turista na cidade onde realiza negócios é interessante destacar que o período está diretamente relacionado ao tempo de duração das feiras visitadas, indicando que a viagem vincula-se exclusivamente ao motivo negócios, sem espaço para o lazer. Além disso, confirma-se que é nos dias úteis da semana que há maior concentração destes turistas, característica largamente divulgada em obras sobre o assunto que destacam o problema de baixa ocupação hoteleira nos finais de semana de cidades com vocação para o turismo de negócios.

O fato de expressiva maioria dos turistas de negócios visitar, freqüentemente, a cidade de São Paulo é um forte indicativo que ela concentra atratividade para este segmento, mas, por outro lado, o fato da maioria destes turistas ser oriunda de localidades próximas pode ser outro facilitador para o grande número de visitas realizadas por este público, que não necessariamente visita a cidade por motivo de negócios.

Apesar de grande parte dos entrevistados ter sua viagem custeada pela empresa esta informação não pode ser avaliada como contraditória à análise anterior sobre verba de viagem, porque é bastante significativo o número de turistas de negócios que arca sozinho com estes custos. Assim é mister entender que são questionáveis afirmações generalistas que enquadram os turistas de negócios como altos executivos que fazem viagens financiadas pelas empresas, utilizando-se de serviços de agências de viagens, meios de transporte e de hospedagem de alto padrão, porque se comprovou que dentro do universo dos turistas de negócios existe um grupo com especificidades de consumo bastante diferentes desta visão estereotipada deste segmento.

Os dados sobre meios de hospedagem dos turistas de negócios reforçam a tese de que há um grupo dentro deste segmento que se utiliza de serviços simples uma vez que dos freqüentadores das feiras que pernoitam, a maioria hospeda-se em hotéis 3 estrelas, que possuem serviços básicos sem luxo e, conseqüentemente, preços mais baixos que os estabelecimentos de categorias superiores como 4 estrelas e 5 estrelas.

Com relação ao tempo disponível para o lazer no dia em que visitaram a feira constatou-se que, na maioria dos casos, o turista de negócios não dispõe de tempo livre para usufruir atrativos da cidade que visita a negócios, nem no período da manhã nem no período da noite. Entretanto, os poucos que realizam atividades desvinculadas do trabalho tendem a realizar compras ou buscam atividades associativas, o que abre margem para uma investigação futura para verificar se estas estão, ou não, ligadas à prostituição.

Durante o período total de permanência a maioria dos turistas não tinha tempo reservado para se divertir, mas dentre os que dispunham de tempo este se restringia a meio dia ou um dia inteiro para passear por São Paulo. Interessante verificar que a maioria dos entrevistados conhecia atrativos turísticos da cidade, pois reforça o indício que as constantes viagens deste público a São Paulo podem estar mescladas com visitas a lazer.

Por outro lado, percebeu-se com as respostas a respeito da disposição em conhecer pontos turísticos da cidade, que tem vasta oferta de atrativos histórico-culturais, naturais, técnico-científicos e acontecimentos programados, que São Paulo instiga os turistas de negócios que se mostram dispostos a usufruir da oferta de lazer além das oportunidades de negócios. Fato que pode ser melhor trabalhado pelos órgãos oficiais e a iniciativa privada para suprir este segmento de roteiros turísticos compatíveis com sua disponibilidade de tempo e interesses concentrados em atrativos histórico-culturais.

Portanto, ao analisar o interesse dos turistas por atrativos e passeios de turismo pode-se aferir que o turista de negócios investigado constitui-se em demanda potencial para o turismo de lazer na capital paulista, mas também é bastante representativa a quantidade de turistas de negócios que não se interessam pelos atrativos da cidade com característica cosmopolita, considerando-a apenas como local para realização de negócios.



Considerações Finais

Considerando o exposto, afirma-se que caracterizar o turista de negócios não é uma tarefa fácil dada a falta de clareza conceitual, da variedade e abrangência dos subtipos do turismo de negócios e da escassez bibliográfica sobre o assunto. Além disso, a pesquisa bibliográfica mostrou que os dados sobre este público são esparsos e descontinuados, aparecendo em relatórios estatísticos que não apontam os critérios utilizados nas pesquisas, revelando equívocos no agrupamento de turistas que compõem o segmento de turista de negócios.

A busca pela caracterização do turista de negócios tornou evidente que pouco se sabe sobre o assunto, mas, revelou que existem tipos diferentes de turistas de negócios, cada qual utilizando equipamentos e serviços ajustados às suas necessidades e ao seu orçamento. Pode-se dizer que, no contexto do turismo em geral, o volume de turistas de negócios é relativamente considerável, embora os dados se misturem aos de alguns turistas de eventos não comerciais, e pouco se saiba sobre os critérios utilizados para a contabilização deste público.

Pode-se concluir, pelos resultados da pesquisa de campo com turistas de negócios da cidade de São Paulo que existem, no mínimo, duas categorias de turistas de negócios: (1) aqueles que, por conta da empresa ou com recursos próprios, utilizam equipamentos caros e luxuosos; e (2) outros que procuram opções alternativas em virtude de restrições financeiras pessoais ou das empresas a que estão vinculados.

O primeiro tipo, seja por aparentar sucesso, seja por não ter sido considerada a existência de um outro, foi o que mais chamou a atenção de estudiosos e empresários até o momento. Observa-se que a idéia de negócio está associada a dinheiro, a executivos bem vestidos que buscam equipamentos e serviços de boa qualidade porque os custos são creditados à empresa. Nessa perspectiva, torna-se difícil, para o senso comum, identificar como turista de negócios uma pessoa que utiliza equipamentos e serviços em desacordo com essa idéia já arraigada. No entanto, os resultados da presente pesquisa explicam as diferenças das categorias de turistas de negócios, revelando a representatividade dos turistas que usam equipamentos simples em conseqüência de restrições financeiras.
 
1 Doutora, Mestre e Bacharel em Turismo pela Escola de Comunicações a Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e bacharel em administração de empresas pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Atualmente é professora do Departamento de Relações Públicas, Propaganda de Turismo da ECA/USP. E-mail: bragadc@usp.br

2 Para esta pesquisa estabeleceu-se como grandes feiras comerciais aquelas que motivavam a realização de negócios, que aconteciam em espaços de evento com área superior a 20.000m2 e contavam com um fluxo de visitantes entre 20.000 e 100.000 pessoas.

3 Critério desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) para estudar o poder de compra de pessoas e famílias urbanas, possibilitando a classificação da população segundo classes econômicas. Disponível em , acessado 23/01/2005