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Os Universos Paralelos do Turismo
Margarita Barretto1
 
Resumo:
Planejamento turístico: a ausência de diálogos entre as pesquisas acadêmicas, os programas governamentais e os interesses comerciais do setor privado.

Abstract
Tourism planning: absent teamwork between University researches, Government projects and Private profits.

O fenômeno turístico, enquanto fato social, admite diversos cortes epistemológicos para seu estudo e compreensão. Um desses cortes é o processo da geração do movimento turístico do ponto de partida dos turistas até a concretização da visitação ao lugar escolhido pelos turistas e seu retorno a casa.

Um processo que começou, historicamente, sendo espontâneo, passou a ser, a partir da segunda metade do século XIX, organizado com a racionalidade capitalista da moderna sociedade industrial, avançando, na era contemporânea, para formas mais elaboradas de planejamento, baseadas em teorias econômicas e administrativas, apontando, de um lado, a maximizar os efeitos benéficos trazidos pelo dinheiro aportado pelos turistas às economias receptoras e, de outro a controlar, tanto quanto possível, os fluxos de visitantes, de forma a não sobrecarregar o meio ambiente natural e cultural.

Na segunda metade do século XX, técnicas de planejamento foram desenvolvidas, com o aporte das ciências humanas, exatas e biomédicas, para permitir um mínimo de previsão deste fenômeno que consiste no maior deslocamento voluntário na história da humanidade2.

Os resultados da aplicação das técnicas de planejamento tem sido de difícil aferição, e a própria aplicação das técnicas tem apresentado dificuldades e ambos fatos obedecem a um mesmo fator: tenta-se planejar e medir o comportamento de seres humanos em sociedade.
Como medir, seguir os movimentos e indagar permanentemente um visitante? Como controlar a imprevisibilidade do comportamento humano?

Se os modelos teóricos sistêmicos do turismo3 rmitem entender a intersecção do turismo dentro da sociedade mais ampla, os modelos rizomâticos aplicados à sociedade por Deleuze e Guattari permitem entender o porquê do resultado do planejamento não ser, muitas vezes, o esperado. 4

Porém, o problema que se pretende abordar neste contexto não é a dificuldade de se obterem bons resultados no planejamento do turismo, mas a falta de um planejamento integrado e conjunto do turismo por parte daquelas entidades que têm competência para planejar.

Estes três setores são tradicionalmente: o poder público, que tem competência no sentido de autoridade delegada, de poder político para executar o planejamento; o conjunto das empresas de turismo, o trade turístico, que tem competência administrativa, que conhece os canais de compra e venda de produtos turísticos e tem o capital para executar os projetos; e a academia, que tem competência do conhecimento, do saber e do corpo de teorias, historicamente elaborado a partir do estudo do fenômeno turístico.

Sem pretender generalizar, pode-se dizer que, no Brasil, usualmente, esses três setores atuam de forma isolada, sem dialogar entre si. Empresas privadas, poder público e academia constituem o que poderia ser definido pelo eufemismo de “universos paralelos”.

O poder público está organizado nos níveis nacional, estadual e municipal. No nacional, há, na atualidade, um ministério, um instituto de promoção, e um conselho. Nos vários estados, há secretarias e, nos municípios, pode-se observar uma variedade de instituições que se ocupam do turismo, às vezes, juntamente com cultura e esportes: secretarias, departamentos, divisões, comissões, coordenadorias, fundações, centros e muitas outras formas de gestão. Também sem fazer generalizações, pode-se afirmar que, na maior parte destes órgãos, a função de planejamento do turismo não é exercida por pessoas provenientes da academia, nem com experiência na atividade privada, mas sim provenientes de quadros políticos, sem conhecimento específico do tema turismo.

A atividade privada, o chamado trade turístico, está constituída pelas empresas de hospedagem, alimentação, transporte e agenciamento, neste último item, incluem-se as operadoras, que comumente planejam o turismo. Tampouco se observam muitos egressos da academia nas funções de planejamento das operadoras e, como é lógico supor, os interesses destas estão voltados à obtenção de lucros e à transformação de todo recurso em atrativo turístico, sem que temas como a preservação da natureza ou o respeito pelas culturas sejam tomados em conta ou, sequer, reconhecidos como parte integrante do processo turístico.

A atividade privada, o chamado trade turístico, está constituída pelas empresas de hospedagem, alimentação, transporte e agenciamento, neste último item, incluem-se as operadoras, que comumente planejam o turismo. Tampouco se observam muitos egressos da academia nas funções de planejamento das operadoras e, como é lógico supor, os interesses destas estão voltados à obtenção de lucros e à transformação de todo recurso em atrativo turístico, sem que temas como a preservação da natureza ou o respeito pelas culturas sejam tomados em conta ou, sequer, reconhecidos como parte integrante do processo turístico.

No terceiro universo, a academia se debate, no Brasil, há 30 anos, tentando encontrar eco para a aplicação dos conhecimentos adquiridos de forma a otimizar um bom planejamento que tome em conta o bem estar de todos os atores do fenômeno turístico: os turistas, a sociedade receptora, e as empresas.

Como resultado da falta de diálogo desses três setores, tem-se que, em primeiro lugar, praticamente pode-se dizer que não se planeja turismo. Confunde-se planejamento de turismo com divulgação de um recurso ou atrativo. Traduzindo: confunde-se planejamento de turismo com fotografia de cachoeira.

Em segundo lugar, quando há planejamento, este atende apenas ou aos interesses conjunturais do estado para beneficiar determinado partido no poder ou aos interesses pontuais de uma operadora turística, de uma transportadora ou de uma cadeia de hotéis.

Ao mesmo tempo, anualmente são produzidos dentro da academia ricos trabalhos de conclusão de curso, monografias de especialização e, ultimamente e em menor escala dissertações de mestrado e teses de doutorado abordando o turismo, cujo destino é, na maior parte dos casos, a estante das bibliotecas universitárias.

Muitas vezes os estudantes são encorajados a procurar os empresários do trade turístico e os órgãos públicos para tentar aplicar os seus projetos, cientificamente fundamentados, mas raramente alguma porta se abre para eles.
O planejamento de turismo precisa dos três universos atuando em conjunto. Planejar turismo sem ter o apoio das instâncias decisórias do poder público é inútil; planejar sem saber as causas e conseqüências sócio-ambientais do turismo é promover a destruição do próprio turismo no longo prazo5 planejar conjunturalmente para uma administração é desperdiçar dinheiro público.

A academia, instância de produção de novos conhecimentos, tem a função de buscar formas de melhorar a sociedade. No desempenho dessa função, precisa exercer sua criticidade, propor modelos alternativos ao atual, que não tem demonstrado ser justo nem eqüitativo e cujo legado é o momento presente, com dez por cento da população mundial representando o total das viagens internacionais, e grande parte do resto imerso em guerras, miséria, terrorismo e fome.

Por esta sua missão, o establishment o teme.

Porém, os empresários de turismo teriam muito mais lucro se apelassem aos conhecimentos da academia. Estes lhes permitiriam melhorar os atrativos turísticos e a qualidade dos equipamentos, criar produtos novos, aumentar a produtividade, obter vantagens competitivas e formar blocos regionais, adequar seus produtos ao perfil da sua demanda ou buscar a demanda adequada para seus produtos, preservar os recursos naturais para manter a clientela que os procura, melhorar a prestação de serviços capacitando os funcionários e, o que também traria dividendos políticos para o Estado, obter repercussões favoráveis na comunidade local.

Um dos países que mais sucesso econômico tem obtido com o turismo é o Canadá, e não é por acaso que também é um país de referência na área acadêmica de turismo. Naquele país, está clara a necessidade do respaldo de uma sólida pesquisa acadêmica para o planejamento do turismo em favor de todos os envolvidos.

No Brasil, a partir da década de 1970, foi realizado um grande investimento nas áreas tecnológicas das universidades para produzir novos conhecimentos para a indústria nacional. O resultado positivo é inegável, tendo colocado o país entre uma das potências industriais do mundo.

Enquanto este diálogo não acontecer no planejamento dos produtos turísticos, a improvisação continuará, com os resultados por todos conhecidos.
 
1Margarita Barretto é Professora da UCS; assessora científico-pedagógica do IELUSC e da UNISUL, pesquisadora e coordenadora da coleção Turismo da Editora Papirus.
2Há outros grandes deslocamentos, mas involuntários, como os movimentos de refugiados e as migrações em massa.
3O mais conhecido no Brasil é o desenvolvido por Mario Beni. Podem também ser citados os modelos sistêmicos de Alfredo Ascanio (Venezuela) e de Sergio Molina (México). Um exaustivo estudo dos modelos criados em língua inglesa pode ser visto em Getz, D. Models in tourism planning: Towards integration of theory and practice, Tourism Management, March 1986, p. 21-32. Cita os modelos sistêmicos de Leiper, Mathieson e Wall, Van Doorn e Wolfe.
4Estes filósofos franceses desenvolveram sua teoria dos platôs, redes nas quais a sociedade rizomâtica está organizada. Para uma explicação mais extensa sobre a teoria do rizoma e dos platôs no turismo, ver BARRETTO, M. As ciências sociais aplicadas ao turismo, in Serrano,C. Bruhns, H. e Luchiari, M. T.Olhares contemporâneos sobre o turismo, Campinas, Papirus, 2000.
5Uma extensíssima bibliografia sobre os impactos negativos do turismo mal planejado ou sem planejamento, na cultura e na natureza, pode ser encontrada na Europa, na Austrália, nos Estados Unidos e no Canadá. Os trabalhos fundamentais são de cientistas como Valene Smith, Mathieson e Wall, Douglas Pearce, Richard Butler, Michael Hall, Francisco Jurdao Arrones, Emmanuel de Kadt, Agustín Santana, Peter Murphy, a maior parte deles provenientes da ciência geográfica ou das ciências sociais. Também vários números especiais do periódico Annals of Tourism Research foram dedicados a estes problemas.