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Artigo
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DEZEMBRO/2006: Intervenções Arqueológicas no Antigo Engenho Paul/PB: uma unidade de produção agro-industrial na cidade de João Pessoa
Antonio Carlos de Lima Canto
 
Resumo: As inexpressivas fontes históricas referentes ao Engenho Paul relatam que o referido espaço funcionou como um importante exemplar da vida social paraibana durante o século XIX. A partir da recuperação de vestígios arqueológicos, documentais, dos remanescentes arquitetônicos e de relatos orais, temos levantado informações que permitem dar um primeiro encaminhamento às discussões históricas mais abrangentes sobre o Engenho. Palavras-chave: Arqueologia Histórica; Restauração; Educação Patrimonial.



Abstract: The unexpressive historical sources related to “Engenho Paul” report that the above-mentioned space has acted as a “Paraiban” social life important model during XIX th century. From the archaeological documental remains and architetonics remandens, as well as from oral tales, we have gathered up informations that allow giving a first step to ampler historical discussions about the related “Engenho” (sugar mill). Keywords: Historic Archaeology; Restoration; Patrimonial Education.










Introdução

Este trabalho tem por objetivo sistematizar as informações recuperadas das pesquisas arqueológicas realizadas no Antigo Engenho Paul. Caracterizado como um dos últimos remanescentes de unidades produtivas de atividades agro-industriais para o fabrico do melaço (rapadura) e aguardente da cidade de João Pessoa, o referido engenho (unidade de produção do século XIX) passou por intervenções arqueológicas, subsidiadas pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional (AECI) / Oficina-Escola de João Pessoa e desenvolvidas sob a coordenação permanente do arqueólogo autor deste artigo.

Em função da importância das referidas pesquisas, foi encaminhada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP) uma solicitação de tombamento. O processo foi aprovado, por unanimidade, pelo Conselho de Proteção dos Bens Históricos e Culturais (CONPEC) e o seu tombamento foi homologado no Diário Oficial do Estado da Paraíba em 17 de fevereiro de 2005.

Ainda, em reconhecimento às pesquisas arqueológicas realizadas neste Antigo Engenho, o Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização (DEPAM) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/DF) resolve incluir, oficialmente, em agosto de 2005, o Antigo Engenho Paul no seu Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), disponibilizando no site www.iphan.gov.br, as informações mais relevantes obtidas dos trabalhos de arqueologia neste Antigo Engenho.

O desenvolvimento de um trabalho de arqueologia neste Antigo Engenho pautou-se na promoção permanente de atividades de Educação Patrimonial e na conscientização da importância de uma pesquisa arqueológica durante uma obra de Restauração, fornecendo informações consistentes a pesquisadores, estudantes e turistas que buscam um conhecimento aprofundado relativo à história e à cultura da Cidade de João Pessoa.

Decorridos 02 anos de atividades ininterruptas de pesquisas arqueológicas, 42 alunos-bolsistas da Oficina-Escola de João Pessoa passaram pela Oficina de Arqueologia durante as obras de restauração, constatando a perfeita sincronia da arqueologia nos trabalhos de intervenção dos sítios históricos, sobretudo quando os agentes multiplicadores são jovens secundaristas, carentes, desenvolvendo ofícios voltados ao Patrimônio da sua cidade. Ressaltamos que as atividades de Educação Patrimonial sobre o Engenho também foram desenvolvidas com os alunos da Escola Piollin (instituição que atualmente ocupa e mantém o espaço).

A pesquisa arqueológica voltou-se primordialmente para o bangüê do Engenho. Entretanto, foram realizadas prospecções arqueológicas em diversos pontos da propriedade, a fim de localizar, tanto os remanescentes arquitetônicos contemporâneos ao período de produção do Engenho como as áreas de despejo da tralha doméstica associada à vida social dessa unidade de produção.

Considerando que o bangüê deste Antigo Engenho Paul daria vez a implantação do Teatro Piollin, buscamos levantar, com os trabalhos de arqueologia, indícios estruturais e de cultura material que pudessem atestar remanescentes das primeiras edificações do engenho, já que percebemos neste trabalho que as características primitivas do edifício em estudo, passou por alterações e foram ocultadas pela configuração de uso da fábrica do engenho durante o século XIX.

Com esta proposta de pesquisa, a equipe de arqueologia da Oficina-Escola de João Pessoa (Oficina de Arqueologia) identificou, além dos hábitos e costumes sociais (vestuário, mobiliário, utensílios domésticos), informações que comprovam as atividades mais comuns de uma unidade de produção desta categoria. Neste sentido, foram evidenciados além da tralha doméstica, algumas estruturas associadas aos sistemas construtivos, às fornalhas, chaminé, vestígios de artefatos de madeira e ferro como prensas, rodas dentadas, dentre outros objetos.

No âmbito dos trabalhos de campo, a metodologia utilizada nesta pesquisa concentrou-se na ocorrência das estruturas arquitetônicas e vestígios que apontassem simetrias recorrentes, a fim de buscar elementos arqueológicos para a sua validação.





Área de Pesquisa

O complexo arquitetônico remanescente do Engenho Paul apresenta como distribuição espacial apenas uma Casa Grande (estilo Bungalow), típica do século XIX, e um Bangüê (área de maior intensidade das pesquisas). Soma-se ao referido complexo alguns anexos (instalações auxiliares) construídos na década de 80 para comportar atividades artísticas da Escola Piollin (salas de aula, galpões).

Registrado por Joaquim Moreira Lima, desde 1856, o sítio Paul posiciona-se numa área estratégica da cidade de João Pessoa para a implantação de um engenho de litoral.

Situado numa área não muito afetada pela expansão urbana durante o século XIX, tendo em vista que a capital crescia no sentido do seu núcleo comercial (cidade baixa), o Engenho Paul foi ampliado com a incorporação do “sítio do Quebra” (Fazenda Simões Lopes), também de propriedade do Sr. Joaquim Moreira Lima, em meados do século XIX.

Pesquisas históricas realizadas pela Oficina de Arqueologia (2003), coordenadas pelo autor do presente artigo, revelaram que até o ano de 1922, a propriedade rural “Paul”, da qual fazia parte também o sítio “Quebra-cú”, era composta de uma Casa de vivenda (Casa Grande), engenho com moenda, casa de fazer farinha com todos os seus utensílios, pedreiras, caieiras, estábulo, cercado de gado, águas (rios/córregos), servidões (escravos) e grandes terrenos para agricultura, contendo ainda casas de moradores, rendeiros e foreiros.

Com a transferência gratuita da área do imóvel (sítio Paul) feita pelo Governo da União ao Estado da Paraíba, através do Decreto-Lei nº 3723, de 16 de outubro de 1941, registra-se ainda no aludido espaço, em 1942, as seguintes características: uma casa de alvenaria de tijolo coberta de telhas (Casa Grande), um vasto galpão para depósito de máquinas, um estábulo, cercado para gado, uma estrumeira, uma pequena estufa para secagem de fumo, águas, servidões, pedreiras, caieiras, cerca de 300 coqueiros, 02 pequenos pomares de laranjeiras e mangueiras, e grandes áreas de terrenos para agricultura.

Em entrevistas periódicas que realizamos com os descendentes da família do senhor de engenho Henrique Maul da Silva (proprietário do Engenho entre 1890 e 1919) e a partir de prospecções arqueológicas desenvolvidas pela Oficina de Arqueologia (2002/2003), confirmou-se a presença (vestígios) de uma Senzala (que foi derrubada na primeira metade do século XX), neste conjunto arquitetônico do século XIX.

A palavra “Paul” (Do latim Padule por palude) pode ser definida como brejo; terreno alagadiço; pântano. A declividade acentuada do espaço de implantação do Engenho Paul, em que a Casa Grande encontra-se numa posição mais elevada em relação aos demais compartimentos da propriedade, certamente, nas épocas de chuvas intensas deveria formar uma planície alagada, fator que pode ter gerado o nome do engenho.





A Cultura Material

A cultura material encontrada no Engenho Paul vem permitindo o estabelecimento do período de ocupação do local, aspecto que nos permite uma datação relativa do referido engenho. A faiança foi um elemento determinante no conjunto dos artefatos. No referido grupo, uma quantidade significativa de marcas detectadas na base das peças, possibilitaram a indicação do seu fabricante e o seu período de produção.

Peças em Faiança como: pratos, pires, tigelas e travessas; garrafas de vinho e de cervejas importadas; frascos de remédios (franceses e americanos); tinteiros; objetos pessoais (moeda em cobre, botões de vestuários; cabo de escova de dente em marfim); ossos; conchas; material de tortura dos escravos, dentre outros artefatos, foram recuperados das escavações.

A faiança identificada é de procedência inglesa do século XIX, indicando esse século como o de ocupação do local. Os demais artefatos encontrados também são compatíveis com esse período, mas o aspecto construtivo pode remeter a épocas mais antigas. Alguns tijolos que formam um piso contínuo numa profundidade de 2,5m, situado na parte final do bangüê (numa área de 7,40 x 2,10), foram coletados e serão datados através do processo de termoluminescência. Apenas com o resultado dessa datação, alguns aspectos quanto à antiguidade do espaço poderão ser elucidados.

Os artefatos arqueológicos coletados das escavações encontram-se acondicionados em sacos plásticos e guardados em armários de ferro. Todo o material contém dados de origem, setor, área, número da quadrícula e profundidade. Desta pesquisa, quantificou-se 8.500 artefatos, sendo:





Peças Arqueológicas - Porcentagem (%)
Faiança Inglesa - 41,61%
Conchas - 4,42%
Vidros - 5,08%
Telhas - 4,75%
Cerâmica - 15,68%
Ossos - 12,82%
Ferro - 6,27%
Garrafas inteiras - 0,34%
Seixos - 0,19%
Fragmentos de garrafa - 4,40%
Tijolos completos - 0,19%
Botões - 0,07%
Material em Grés - 0,22%
Fragmentos de piso - 0,24%
Outros Materiais - 3,72%






No Laboratório, montado no próprio Engenho Paul, as peças foram higienizadas, secadas, classificadas / catalogadas, reconstituídas (quando possível), fotografadas e acondicionadas em sacos plásticos e caixas de arquivo.





Museu de Arqueologia

Entendendo que o Patrimônio tem um importante valor social e que pode contribuir, significativamente, para a integração social de indivíduos enquadrados em comunidades em mudança, que enfrentam a ameaça da perda de identidade, está sendo disponibilizada ao público que visitar o Antigo Engenho Paul, uma Exposição Permanente intitulada “ANTIGO ENGENHO PAUL: ARQUEOLOGIA CONTA 150 ANOS DA SUA HISTÓRIA”.

No bangüê, restaurado pela Oficina-Escola de João Pessoa, que dará vez às atividades artísticas do Teatro Piollin, as evidências arqueológicas coletadas das escavações realizadas no próprio espaço, estarão dispostas em 05 (cinco) módulos, distribuídos em 06 vitrines e 06 painéis explicativos, com informações que representam a junção das influências européias (inglesa) e africanas nos hábitos sociais de um engenho paraibano do século XIX. O visitante poderá fazer uma viagem ao século XIX, observando:

- No primeiro módulo (Vitrines 1 e 2) algumas peças que resgatam os hábitos e costumes sociais dos ocupantes do Engenho Paul durante o século XIX. Faianças inglesas (pratos, pires, xícaras, tigelas), objetos pessoais e de higiene revelam esse cotidiano;

- No segundo módulo (Vitrine 3) estão os envases. A parte de vidraria reúne garrafas de vinho, taça de licor, frascos de remédios (elixires, vidros de rícino) e gargalos. A outra categoria é composta de garrafas e tinteiros em grés. As garrafas em grés serviam para guardar cerveja, genebra e água mineral com gás, enquanto os tinteiros comportavam a tinta nanquim. Ainda que se trate de um produto da Revolução Industrial (Inglaterra), muitas das garrafas em grés apresentam selos americanos (reproduzidas na Carolina do Norte – EUA), durante o século XIX.

- No terceiro módulo (Vitrine 4) estão as cerâmicas do tipo neobrasileira (com influências indígenas/africanas e com funcionalidade tanto doméstica quanto produtiva). Parte de um exemplar de fôrma de pão-de-acúcar pode ser observado.

- No quarto módulo (Vitrine 5) estão os resquícios da tradição alimentar dos ocupantes do Engenho Paul (mocotós de boi, costelas, vértebras de peixe, conchas e crustáceos revelam esse hábito alimentar);

- No quinto módulo (Vitrine 6) estão as evidências do sistema construtivo do Engenho Paul e os objetos de tortura relacionados aos seus escravos. Tijolos com dimensões variadas (inclusive semicirculares), fragmentos de telha e de pedra calcária estão expostos. Quanto aos objetos pertencentes ao suplício dos escravos, estão expostas 02 bolas de ferro que prendiam os seus pés (com pesos individuais de 2,5 Kg), fragmentos de uma gargalheira e outros materiais em ferro. Algumas enxadas utilizadas por esses escravos, nos canaviais do Engenho, complementam esse módulo.

Salientamos que a partir das pesquisas arqueológicas neste Engenho foi possível resgatar informações consistentes quanto as suas estruturas arquitetônicas, artefatos arqueológicos, história oral e documentação textual, a fim de proporcionar o seu re (conhecimento), busca e preservação dos referenciais socioeconômicos desta unidade de produção durante o século XIX ou mesmo em período anterior, conforme sugerem as suas estruturas.

As referidas informações arqueológicas já puderam ser constatadas por representantes de oficinas-escolas de 14 países durante o V Encontro de Diretores de Escuelas Taller en Iberoamérica e também pelo público pessoense em 02 exposições itinerantes realizadas durante a IV Mostra Científica do Espaço Cultural de João Pessoa (novembro de 2003) e, também, em um Shopping de grande circulação da mencionada cidade (maio de 2004).

Com a conclusão dos trabalhos de restauração, pela Oficina-Escola de João Pessoa, além da implantação de uma Exposição Permanente de Arqueologia no próprio bangüê, foi lançado um Catálogo ilustrativo incluindo todas as etapas da Restauração e das pesquisas arqueológicas no Bangüê do Antigo Engenho.
 
1 Arqueólogo, Mestre em Geociências (UFPE), Doutorado em Arqueologia (Universidade de Coimbra). Arqueólogo da Oficina-Escola de Revitalização do Patrimônio Cultural de João Pessoa; Presidente do Núcleo de Pesquisas Arqueológicas e Sociais (NUPAS). E-mail: antonio.canto@oi.com.br / aclcanto@ig.com.br