Apresentação


Superando o enigma do bagre: negociando os conflitos da política ambiental brasileira


Nesse livro em suporte eletrônico, um conjunto de artigos trata a evolução da gestão ambiental pelo enfoque do entendimento de conflitos ambientais, que opõem diferentes perspectivas de utilização dos recursos ambientais e as conseqüências de umas formas de utilização sobre as demais, podendo constituir-se em impactos positivos ou negativos, estes últimos por vezes chegando a inviabilizar potenciais de aproveitamento.

O conflito ambiental, cuja eclosão teve seu episódio mais visível quando o Presidente da República reclamou de um bagre jogado na sua mesa (por conta de um caso de licenciamento de uma hidrelétrica, que estava emperrado) pode ser trabalhado para que as energias aí presentes auxiliem a economia a girar num sentido mais sustentável. Essa é a hipótese geral da pesquisa cujos resultados aparecem nesses trabalhos.


A Evolução do papel do Estado brasileiro em relação ao meio ambiente


Nas décadas recentes, o Estado brasileiro passa por uma revisão de seu papel em relação à promoção do desenvolvimento, o que no campo do meio ambiente marca uma trajetória de sócio oficial do desenvolvimento predatório, para um Estado mais moderno, que incorpora as necessidades de administração ambiental. Uma trajetória ainda inacabada, mas de qualquer forma desenhada no horizonte.


A crise ambiental brasileira tem raízes históricas na fase colonial já marcada por esgotamento de recursos e empobrecimento de ecossistemas, associado à monocultura. Outra fase passa pelos impactos localizados da mineração e pelo desenvolvimento da industrialização incipiente de substituição de importações, geradora, com os centros urbanos de proporções ainda contidas, de poluição orgânica localizada.


As tradições de uma racionalidade econômica de aproveitamento sem prudências do território com fronteiras agrícolas sempre passíveis de expansão, foram pano de fundo para os períodos de associação dos projetos nacionais de desenvolvimento com a economia transnacional, transpondo para o país processos de transformação de alto potencial de impacto ambiental, em tecnologias industriais e agrícolas, acentuados pelos padrões históricos de localização e concentração das atividades no espaço.


As infra-estruturas de transportes e energia, viabilizadoras dos grandes pólos de transformação, representaram por sua vez frentes de degradação. O desemprego tecnológico no campo e as buscas de oportunidades nas frentes de ocupação agrícola, no garimpo, nos grandes aglomerados urbanos, fazem da mobilidade da população de baixa renda o principal aspecto da relação população-meio ambiente na realidade brasileira, ocasionando inclusive determinados padrões epidemiológicos associados à precariedade dos assentamentos nas chamadas periferias urbanas. Na área de Mata Atlântica, somam-se a estas dinâmicas aqui brevemente lembradas a transformação da zona costeira numa frente de (re) ocupação, com os investimentos em estradas “aproximando” dos mercados dos grandes centros urbanos os terrenos próximos ao mar para aproveitamento imobiliário do atrativo sol e praia.


O Estado promotor desta peculiar concepção de progresso, concentrador de benefícios e disseminador dos ônus sociais e ambientais, era um Estado que concentrava as decisões longe das regiões impactadas pelos projetos de desenvolvimento e compartimentava os incipientes setores governamentais de administração ambiental em escalões decisórios subordinados a diferentes áreas administrativas, impedindo o amadurecimento de políticas ambientais globalizantes. Recursos naturais como florestas e pesca dentro da área de Agricultura, controles de poluição na área de políticas de Interior, recursos hídricos subordinados à política Energética, garantindo-se sempre a primazia dos aproveitamentos econômicos e suas demandas de infra-estrutura em relação a padrões de usos mais equilibrados.


O movimento de democratização promove um processo de transformação institucional cujo amadurecimento parecia estar sendo atingido, embora em ritmo desigual entre as diferentes unidades da Federação e entre estas e a União, até a recente reviravolta que tornou a separar em compartimentos a área da gestão ambiental em nível federal.


Marcas dessa evolução são a reunião/unificação dos aparatos institucionais de gestão de meio ambiente e recursos naturais, a constituição das instâncias participativas representadas pelos Conselhos abertos a entidades não governamentais, a formulação de políticas mais abrangentes de meio ambiente, uma nova ordem jurídica embasada na Constituição de 88.


A diversificação de atores sociais envolvidos com iniciativas ambientais é elemento dinamizador deste movimento, podendo-se destacar neste campo as atividades do Ministério Público em nome dos interesses difusos e o movimento, de fôlego crescente, de incorporação de regras de gestão ambiental por parte de setores empresariais.


Evolução da gestão ambiental


Diferentes dinâmicas de capacitação institucional na área de meio ambiente vêm sendo impulsionadas desde a segunda metade dos anos 80, e embora apresentando variações de ritmo em diferentes períodos políticos e variações em seu alcance de uma para outra unidade da Federação, compõem um extraordinário esforço de implantação da administração ambiental no Brasil.


Os planos de ação ora são dinamizados pela busca de rotinas de controle, como no caso dos processos de licenciamento; ora por intervenções de caráter regional, dedicadas mais à conservação de recursos, ou mais à reversão de quadros de poluição e degradação, por exemplo, em projetos como as ações voltadas a conjuntos de Mata Atlântica ou às Bacias de rios de importância regional; ora por planos nacionais, como o Gerenciamento Costeiro.


Evoluem da esfera federal para os estados e regiões, ou de iniciativas estaduais para serem incorporados em políticas nacionais. A frente diplomática, voltada aos acordos globais, demanda, especialmente a partir da Rio 92, desdobramentos internos. Paulatinamente, as culturas burocráticas setoriais que dificultavam a construção de políticas integradas no interior das novas agências ambientais foram cedendo lugar a projetos naquela direção.


Este é um processo em curso em unidades estaduais, que lamentavelmente estancou na esfera federal: o estabelecimento de instâncias integradoras e formuladoras de processos decisórios/definidores de políticas ainda é uma carência em várias situações, quando se constata que os esforços por desenvolver planos de ação ainda representam muito mais uma agregação de propostas de especialistas do que a sua síntese globalizante, verdadeiras estratégias de intervenção.


O aspecto fundamental para uma avaliação crítica da política ambiental corrente no país é o exercício desigual e por diversas vezes pouco integrado dos instrumentos de gestão ambiental. Controles ambientais através de licenciamento e fiscalização; monitoramento; planejamento ambiental; educação ambiental; estabelecimento de áreas protegidas, por exemplo, frequentemente seguem padrões históricos de pouca ou nenhuma integração entre si, seja pela já citada tradição de burocracias setoriais distintas, seja inclusive pelas diferenças de alocação de recursos na implantação dos diferentes instrumentos, gerando a coexistência de programas com razoável nível de capacitação institucional com outros onde há absurda escassez de recursos humanos e materiais.


Em muitos casos, trabalha-se com a demanda básica de garantir a implantação e o respeito ao instrumento de gestão – um controle de poluição, ou uma unidade de conservação - sem que se disponha de instrumentos para uma avaliação crítica do alcance das ações desenvolvidas, o que seria um dos resultados de um monitoramento ambiental competente.


Por outro lado, a análise de um diagnóstico abrangente dos diferentes estágios de implantação do Sistema de Meio Ambiente nas unidades da Federação, como o que foi desenvolvido pelo MMA com recursos do PNMA, no início dos anos 2000, permite perceber os avanços reais em termos de uma capacitação mínima, que somando os aportes das mais variadas oportunidades trazidas por projetos específicos e diferentes políticas, já aproxima o sistema da possibilidade de desenvolver um novo padrão de gestão ambiental, globalizante e efetivo, em diferentes estados brasileiros.


Em termos amplos, uma questão central é identificar o tipo de política ambiental que o país está perto de capacitar-se para cumprir, mediante esta evolução acima brevemente esboçada.


Grosso modo, o desenho dos instrumentos de gestão volta-se para um controle dos efeitos negativos das atividades transformadoras do meio ambiente. Seja restringindo o alcance da remoção de vegetação ou períodos de captura de populações animais; seja exigindo reduções nas emissões de poluentes; seja subtraindo conjuntos naturais aos usos correntes, predatórios, através de sua assimilação a unidades de conservação.


De forma geral, os planos ambientais – zoneamentos ecológicos e econômicos – que são instrumentos de gestão que avançam mais na direção de uma proposição abrangente de potenciais econômicos sustentáveis, rivalizam com os monitoramentos ambientais na lamentável posição de atividade em estágio mais precário de implementação.


Onde os planos ambientais foram concebidos, os limites se situam na falta de mecanismos para promover os usos sustentáveis entre os diferentes atores sociais, e nas dificuldades dos próprios meios de controle ambiental para lidar com demandas de novos usos de recursos naturais que vinham sendo objeto de políticas de restrição de uso. Promover e autorizar em lugar de controlar e impedir. Agilizar, não mais criar obstáculos. Não é este o universo cultural, burocrático e legal das instituições de meio ambiente, o que em muitas situações é respaldado pela mentalidade preservacionista – e não sustentável - das entidades não governamentais.


Evidentemente, não se caminha aqui para defender qualquer tipo de afrouxamento dos controles ambientais, obviamente necessários na convivência com dinâmicas econômicas e espaciais predatórias, e que inclusive demandam ainda muito reforço, bastando verificar situações gritantes que ocorrem em cada região do País. O que se busca evidenciar é que numa ótica de promoção da sustentabilidade devemos ser capazes de aplicar instrumentos de gestão que combinem o controle ambiental com estímulos e facilidades para novas práticas adequadas de usos de recursos.


O que ressalta de avaliações de diferentes analistas de experimentos desenvolvidos em planos regionais, é justamente a percepção de que faltam iniciativas que forneçam efeitos de demonstração de novas práticas, conquistando produtores e usuários dos recursos para novas alternativas econômicas, bem como instrumentos gerenciais que incorporem a facilitação e a agilidade decisória demandada por novas experiências mais sustentáveis.


Se queremos avançar para promover e incentivar práticas sustentáveis; se queremos que uma nova economia passe a concorrer no uso dos recursos ambientais, das florestas e das águas, com a velha economia predatória que se viabiliza externalizando seus custos ambientais, devemos ir além da internalização dos custos pelos controles ambientais, o que é um processo lento e sujeito a um jogo de pressões em que os velhos interesses buscam viabilizar-se indefinidamente, protelando a adoção de controles.


O equilíbrio das pressões no jogo de conflitos passa por permitir e incentivar as novas economias sustentáveis. Essa visão é tanto mais estratégica quanto se entende a urgência de gerar novas oportunidades de trabalho e negócios numa realidade marcada pela dificuldade do acesso ao emprego e às vagas de trabalho, associada às evoluções das tecnologias de produção e à lógica de integração de mercados e economias em escala mundial, com alteração dos tempos de produção e circulação de mercadorias.


A economia predatória em sua inércia significa aproveitamentos de recursos onerosos em termos ambientais ao mesmo tempo que deixa de aproveitar vários potenciais do conjunto de recursos de uma região. Os novos aproveitamentos sustentáveis podem significar a incorporação ao universo dos que têm acesso ao consumo de contingentes excluídos pela dinâmica da economia tradicional. A margem de resiliência ecológica em cada eco-região é um recurso de uso comum que dá base ao desenvolvimento e às diferentes estratégias de sobrevivência.


Nesse sentido, as tendências recentes da integração econômica não geram apenas desafios e impasses para a política ambiental; trazem também oportunidades, como o movimento de crescente preferência de grupos de consumidores por marcas e produtos associados ao respeito ao meio ambiente, gerando um cenário em que as empresas percebem vantagens competitivas em desenvolver sistemas de gestão ambiental adequados.


A política ambiental brasileira avançou parcialmente numa nova frente estratégica de evolução, representada pela descentralização das ações para os municípios. Ainda subdimensionada, em parte devido a receios justificáveis em relação às pressões políticas locais (como se estas pressões não existissem nas outras instâncias), em parte pelos receios das antigas burocracias quanto às perdas de importância e poder com a delegação de atribuições, a verdade é que a descentralização se impõe a partir dos conteúdos da Constituição de 88, constituindo-se num dos elementos centrais do processo de democratização da sociedade brasileira.


No campo do meio ambiente esse aspecto é central, devendo-se lembrar como a centralização das decisões foi fator fundamental para a imposição das decisões de projetos de desenvolvimento com grande impacto ambiental sem qualquer consulta às populações das regiões afetadas. De outro lado, do ponto de vista da dinâmica de conflitos ambientais e sua negociação, é difícil imaginar caminhos de avanço sem que se garanta a participação dos interesses locais na formulação dos planos de desenvolvimento.


Boa parte dos conflitos que cercam as Unidades de Conservação ou planos de Gerenciamento Costeiro advêm da precariedade dos mecanismos de incorporação dos agentes locais no debate e negociação das decisões da burocracia ambiental, que dessa forma facilitam que interesses predatórios conquistem as sociedades locais para a visão das medidas de proteção ambiental como decisões extrarregionais que impedem o progresso do lugar.


Dificilmente a escassez de recursos humanos e materiais das agências estaduais poderá ser contornada, e padrões adequados de desempenho dos controles ambientais atingidos, sem que os poderes municipais tornem-se efetivos agentes das políticas ambientais, assumindo as responsabilidades pela qualidade ambiental na esfera de suas competências.


Diferentes experiências brasileiras mostraram exemplos de otimização de recursos do sistema de meio ambiente e ampliação da efetividade da política ambiental a partir da implantação de políticas municipais de amplo escopo (Porto Alegre, Vitória, São Sebastião, Santo André). De outro lado, quando os municípios se ausentam dos processos de construção das políticas ambientais regionais, criam-se lacunas graves nestes processos, afetando a dinâmica de programas como o Gerenciamento Costeiro ou a própria gestão de bacias.


As políticas de recursos hídricos passaram a ser estruturadas com base em Comitês de Bacias, instâncias participativas. Os conflitos ambientais aqui são tradicionalmente conflitos pelo uso e controle dos recursos. Os contornos de gestão propostos, com cobrança pelos usos da água em que a poluição encarece o recurso, introduzem as questões de qualidade.


A primeira vista, este aspecto é reforçado com estratégias como a implantada no Rio Grande do Sul, em que o enquadramento dos corpos d’água é feito de início, o que precipita a discussão das metas de qualidade ambiental para a bacia, trazendo para a pauta a avaliação crítica dos processos econômicos implantados nas áreas rurais e urbanas e amplifica a demanda por negociações entre os setores envolvidos nas deliberações.


Planos de bacia como o do rio Pirapama, em Pernambuco, constituem-se em propostas abrangentes de desenvolvimento sustentável, que propõem como desafio a busca de alternativas para sua dinamização efetiva, ou seja, avançar dos diagnósticos e propostas para as novas práticas. De outro lado, em diferentes realidades regionais percebe-se uma saturação de mecanismos de participação para debater pautas ambientais – gestão de bacias, gerenciamento costeiro, colegiados da mata atlântica – o que por vezes dificulta a constituição de novos foros de participação.


Isso demanda estratégias que otimizem os mecanismos de participação e definam pautas integradas de gestão ambiental regional, visando incorporar efetivamente os diferentes atores na democratização do processo decisório, de forma que haja repasse das discussões para as organizações da sociedade civil e acompanhamento real daquilo que é decidido.


Não apenas representatividade e legitimidade, mas o exercício crítico indispensável à desejada quebra dos monopólios de poder de burocracias setoriais muitas vezes associadas a lógicas decisórias vinculadas a grupos de interesses específicos, que sustentam a apropriação da água e dos demais recursos ambientais numa perspectiva distante da idéia de múltiplos usos.


Aqui, a distância entre a formulação de planos ambientais abrangentes e sua implementação, a dificuldade em encontrar mecanismos que alavanquem a operacionalização das novas propostas, se somam ao estágio incipiente da gestão ambiental municipal para conspirar contra o avanço para um novo patamar, em que os recursos ambientais sejam gerenciados de forma integrada e sustentável. A dinamização dos planos concebidos dentro da visão do desenvolvimento sustentável é inseparável da incorporação da participação dos diferentes atores regionais e locais.


O reconhecimento do conflito ambiental, a estruturação dos fóruns de diálogo de forma que abriguem a dinâmica destes conflitos, pode recolher as energias participativas necessárias à dinamização das políticas. Uma vez que se constitua esse tipo de ambiente, as estratégias de gestão devem ser capazes de aportar investimentos em projetos concretos que ensejem novas associações econômicas e culturais entre os diferentes atores regionais, gerando ou ampliando usos econômicos sustentáveis dos recursos, estabelecendo redes de negócios, concretizando potenciais de forma a transformar discursos em realidades, fornecendo exemplos e permitindo que os sujeitos locais da sustentabilidade ampliem sua representatividade social e política.


Projetos-âncora: efeitos demonstração e formação de redes de negócios sustentáveis


O avanço da gestão ambiental, de uma administração dos efeitos negativos do desenvolvimento para a promoção do desenvolvimento sustentável, exige que se vá além dos diagnósticos técnicos e dos regulamentos. Estes são condição necessária, mas insuficiente para que os agentes econômicos se engajem em novos circuitos econômicos baseados no aproveitamento sustentável dos recursos ambientais. A luta de poder dentro e fora das burocracias estatais conspira constantemente para que planos abrangentes sejam entendidos como pouco mais que digressões poéticas que não resistem às demandas urgentes por gerar empregos e arrecadação.


Os zoneamentos econômico-ecológicos identificam nichos econômicos para aproveitamento dos recursos ambientais regionais capazes de alavancar novas cadeias econômicas, indutoras de técnicas e lógicas produtivas, comerciais, extrativas, mais adequadas, e cuja articulação pode trazer retornos econômicos mais vantajosos para os agentes econômicos, estimulando a manutenção ou a adoção de práticas entendidas como sustentáveis.


Estes potenciais podem demandar intervenções para criar bases para sua implantação. Pode ser o caso – para dar um exemplo concreto - de um conjunto de regulamentos, capacitação de agentes receptivos, meios de promoção e mecanismos básicos institucionais, que viabilizam o início da exploração ecoturística de um parque.


Para que este conjunto inicial, esta “infra-estrutura” do ecoturismo, esteja disponível, há necessidade de um aporte inicial concentrado de recursos e energias. A identificação de um patrocinador e seu envolvimento, depois do investimento preliminar no desenvolvimento do plano de trabalho, com identificação dos atrativos, desenvolvimento dos regulamentos, viabilização dos treinamentos, é uma intervenção indispensável para que se rompa a inércia que separa um diagnóstico de potencialidades de uma realidade em que o ecoturismo torna-se um novo negócio para algumas dezenas de pessoas de uma comunidade e uma nova fonte de clientes para negócios já instalados, como a hotelaria, os restaurantes, os comércios de souvenires.


A captação de patrocínio para o restauro de um bem histórico tombado pode ser a âncora para um novo circuito de turismo cultural, gerando trabalho para guias culturais já treinados, movimento em hotéis e restaurantes, e uma nova visibilidade para os atrativos de turismo em geral de uma região.


A atração de um empreendimento de turismo náutico em águas costeiras pode ser o empreendimento âncora que gera um certo número de empregos diretos e alavanca uma rede de outras atividades: manutenção de barcos, venda de velas e roupas, hospedagem, alimentação. Este pode ser o “portal de entrada” para um circuito de esportes e turismo de aventura, ecoturismo, exploração de cidades históricas.


Cada um destes “clusters” econômicos pode representar no jogo dos conflitos ambientais regionais um novo fator de equilíbrio, por trazer novos agentes econômicos ao cenário, por articular de outra forma os interesses pré-existentes, por gerar movimentação econômica e aproveitamentos dos recursos ambientais regionais de forma alternativa à tradicional investida da especulação imobiliária, preocupada em parcelar o solo e vender uma ocupação/utilização nos meses de temporada de verão, dentro de uma sazonalidade que é fator de desequilíbrio crescente na demanda por infra-estruturas, na formação de preços e na estrutura de vagas de trabalho das regiões litorâneas.


O que se sugere aqui é que as políticas para a Mata Atlântica e para a Zona Costeira podem avançar para experimentos de projetos âncoras de desenvolvimento sustentável, identificados a partir dos planos ambientais regionais, e escolhidos dentre aqueles com maior potencial de alavancagem de redes de negócios, mediadas por adesão a critérios de qualidade previamente desenvolvidos e estabelecidos de forma participativa.


Os avanços no campo da governança corporativa, assumindo as empresas novos compromissos de gestão ambiental de suas operações e buscando associar-se a projetos de alcance social em suas áreas de influência, permite que tal tipo de estratégia de promoção da Sustentabilidade se faça com a costura de parcerias regionais, novas coalizões pró Sustentabilidade que podem desenhar alianças inesperadas entre os atores tradicionais do ambientalismo e grupos com forte presença econômica. Há novos valores em jogo quando se fala de negócios e de meio ambiente, o que pode ser explorado politicamente de forma positiva.


Com esta dinâmica, um esforço de capacitação ganha maior importância e novo sentido para os atores regionais. A capacitação para desenvolver e gerenciar projetos sustentáveis torna-se estratégia de sobrevivência, via para abrir oportunidades em novos potenciais de aproveitamento econômico. A capacitação em gestão ambiental torna-se a via para participar com melhor resultado dos fóruns que, mais que estabelecer políticas de meio ambiente, passam agora a significar instâncias de desenvolvimento, que podem alavancar investimentos regionais, em cujo interior recursos ambientais que até então aparentavam apenas restrições de usos – como os parques – passam a se configurar como verdadeiras infra-estruturas econômicas para o desenvolvimento dos negócios na região.


Um parque fechado é uma área de não uso; um parque com trilhas de ecoturismo e apelo para esportes de aventura é um atrativo único e fonte de venda de serviços de turismo receptivo. Uma lagoa costeira pode ser uma cloaca e uma paisagem para vender lotes; ou pode ser um espaço para negócios de turismo que dependem da qualidade das águas. A promoção do projeto âncora pode transformar em negócios concretos – e sustentáveis – um zoneamento ecológico econômico, de outra forma uma abstração para muitos atores, quando menos seja pela necessidade premente de encontrarem alternativas de sustento econômico.


Uma estratégia de viabilização de projetos âncoras dá seguimento à perspectiva de organizar os comitês de gestão ambiental regional como colegiados que democratizam a participação na política ambiental, incorporando efetivamente os diferentes interesses regionais e permitindo a negociação dos conflitos ambientais. Os planos de bacias, o zoneamento costeiro, os planos diretores, se bem desenvolvidos, se constituem em propostas de desenvolvimento sustentável, construídas a partir das sugestões e demandas dos diferentes agentes regionais, e com a contribuição especializada das equipes técnicas das agências governamentais, das universidades e outros organismos capacitados.


Um plano de capacitação auxilia no estabelecimento de linguagem comum, no nivelamento das aptidões, no aproveitamento dos mecanismos e instrumentos disponibilizados para as regiões de atuação. A dinamização dos planos ambientais através das ações aqui denominadas projetos âncoras tem o potencial de gerar efeitos de demonstração positivos, devendo para tanto atender a alguns critérios básicos:



A idéia é que desta forma passa-se a destacar dos planos ambientais regionais a identificação e a valorização das vocações econômicas sustentáveis. Os controles ambientais passam a ser apresentados como elementos auxiliares destas vocações econômicas, investimentos de infra-estrutura a garantir a possibilidade de exploração dos potenciais sustentáveis regionais.


De forma geral, esta dinâmica tende a conferir nova prioridade às intervenções de saneamento ambiental, por si mesmas conjuntos de negócios dos mais relevantes, com forte potencial de geração de empregos, mas cuja visibilidade social deve ser trabalhada para que sejam entendidas como uma das prioridades do desenvolvimento do país, já que em conjunto com a habitação popular podem alavancar a construção de cidades sustentáveis.