O ecoturismo e os conflitos na ocupação do território em São Sebastião


Lutando a balas pela posse da terra, 40 anos depois


O grupo de trabalho do Gerenciamento Costeiro do litoral norte, formado por técnicos governamentais e cidadãos representando entidades civis, tem garantido discussões produtivas sobre as propostas de macrozoneamento da região. E também, por vezes, agradáveis fins de tarde quando a pauta oficial acabou e se trocam histórias e estórias. Uma das mais simpáticas figuras desses “happy hours” é um dirigente de clube náutico de Ubatuba, freqüentador da região desde os tempos românticos em que as estradas não eram asfaltadas e o isolamento de certas praias era completo.


Em meio a suas pitorescas narrativas de aventuras e naufrágios, surgem imagens que superpostas aos textos de pesquisa histórica e geográfica ajudam a visualizar um processo de ocupação do território. Um de seus casos é da ocasião em que por pouco não se envolveu num grande tiroteio pela posse de terrenos em Barra do Una, na costa sul de São Sebastião. Vindo de moto de São Paulo, teve chuva forte na estrada e maré cheia nos trechos de praia por que se era obrigado a trafegar na altura de Bertioga, o que o atrasou o suficiente para que chegasse somente umas doze horas depois do pretendido. Encontrou seus amigos agitados com a luta aberta que ocorrera na véspera, quando um grileiro e seus capangas vieram dispostos a resolver uma pendência por terrenos, e “mais de mil tiros” haviam sido disparados, felizmente sem grande pontaria. Havia marcas por todo lado, e muitos cartuchos pelo chão. O grupo de amigos saiu para pescar nas Ilhas, próximo ao Saí, e quando lá estavam aconteceu uma “cena de filme nacional”, segundo nosso narrador. Surge um barco da Marinha, com soldados armados transportando o Delegado de São Sebastião – que por terra teria sérias dificuldades para chegar rapidamente ao local. O Delegado, que vinha apurar os fatos, tratou de tentar prender um dos caiçaras que integrava a turma de pescadores. A reação irada da esposa do caiçara, em adiantado estágio de gravidez, e que com agilidade tomou do revólver de um policial e ameaçou a autoridade, acabou por levar – depois de muito susto e gritaria - a uma solução conciliatória. Corriam então meados da década de 60.


Em fevereiro de 2000, um empresário do turismo proprietário de consideráveis extensões de terrenos no município vinha ao fórum de São Sebastião participar de audiência sobre o atentado sofrido por seu advogado alguns meses antes. O advogado recebeu uma descarga de escopeta no peito, e depois uma coronhada com a mesma arma, de um grileiro que se estabelecia em trecho da propriedade do empresário, situado dentro dos limites do Parque Estadual da Serra do Mar, na região de Toque-toque. Passadas quatro décadas, tomado o município por sofisticado padrão de veranismo da elite de São Paulo e sendo alvo já há vários anos de intervenções de política ambiental, os conflitos pela posse e pelo aproveitamento econômico dos terrenos não diminuíram de importância, sendo um dos fenômenos mais difíceis de enfrentar para estabelecer usos mais adequados dos espaços numa região de singular interesse ecológico.


A ocupação predatória do território costeiro


Os quase quarenta anos que separam os dois episódios foram de profundas transformações para a realidade ambiental do município de São Sebastião. O território municipal abrange cerca de 100 quilômetros de costa, limitando-se com Bertioga para o sul e Caraguatatuba ao norte. Os limites para o interior do continente são as cristas da Serra do Mar, contando dessa forma o município com grande porção (cerca de 70% de sua área total ou 280 km2) do Parque Estadual que protege os remanescentes de Mata Atlântica. A planície costeira se forma nos espaços entre os avanços da serra até o mar, ocorrendo ainda várias ilhas costeiras. O centro urbano e administrativo fica em frente ao Canal de São Sebastião, porto natural profundo conformado pela Ilha de São Sebastião, pertencente ao município de Ilhabela. A história de São Sebastião se articula à evolução do aproveitamento deste sítio portuário, desde o período colonial, registrando ainda uma economia de subsistência produtora de alimentos, desenvolvida por pescadores caiçaras.


Na segunda metade dos anos 50, foi construído o Porto de cargas, e na década de 60 o maior terminal petrolífero da América Latina, pertencente à Petrobrás. Especialmente este segundo alavancou importantes transformações nas feições econômicas e urbanísticas locais, como a expansão da rede de transportes, energia e serviços, e com a inauguração de um fluxo de migração de trabalhadores do norte de Minas Gerais, buscados para a construção do terminal (Kandas, 1988). Já na década de 80, ocorreu o asfaltamento da estrada Rio-Santos, abrindo para a especulação imobiliária as belas praias da chamada costa sul, que antes haviam abrigado bairros caiçaras voltados para a via de acesso que os integrava: o mar. Todas estas intervenções não apenas rompiam definitivamente o isolamento surpreendente de uma cidade distante 200 quilômetros de São Paulo, mas caracterizavam uma fase de ocupação predatória da costa, marcada por diversificados problemas ambientais (Silva, 1975, Moraes, 1995).


Diferentes conflitos ambientais passaram a eclodir nessa realidade, associados às várias formas de poluição do mar, desmatamentos e descaracterização de bens históricos (Cunha, 1996). Um dos elementos centrais desse quadro de conflitos tem sido justamente a contraposição entre a valorização dos terrenos próximos às praias para utilização em conjuntos de residências de veraneio para público de alto poder aquisitivo, e a falta de soluções adequadas para assentamento dos contingentes populares, cuja migração se mantém alta, levando o crescimento da população à casa de 6% ao ano (PMSS, 1999).


Alfavile e alfavela, as duas faces do modelo de ocupação imobiliária


A partir do asfaltamento da estrada Rio-Santos, bairros de nova feição passaram a existir ao longo de São Sebastião. Os antigos proprietários dos terrenos, os caiçaras, foram desalojados de forma nem sempre pacífica e via de regra trocando seus bens por valores subestimados, já que não tinham uma economia que os familiarizasse com os valores praticados no mercado, ou na qual sequer estivessem habituados a lidar com dinheiro. Os bairros caiçaras foram descaracterizados enquanto estrutura urbana e a economia da pesca em boa parte deslocada pela atividade imobiliária, com os antigos moradores passando a ocupar as partes de suas propriedades localizadas no pé da serra (Siqueira, 1984 e Noffs, 1988). De um turismo incipiente na época em que os acessos eram muito precários, quando os pouco numerosos freqüentadores “habitués” tinham casas na parte norte do Canal de São Sebastião, como na praia das Cigarras (Silva, 1975), saltava-se para uma fase de veranismo apoiado na oferta de residências caras, para enormes contingentes de pessoas vindas da região da Grande São Paulo e do interior do estado, com afluxos concentrados na época de verão. Esta oferta do produto sol-e-praia carrega historicamente várias distorções e impactos ambientais. Uma população equivalente a três vezes ou mais a de residentes fixos do município sobrecarrega a infra-estrutura instalada. O comércio volta-se ao atendimento destes grandes contingentes de temporada, o que distorce os preços praticados e impede que as vagas de trabalho sejam duradouras. Por tudo isso, o veranismo tem configurado as desvantagens típicas do turismo de massa, tal como descrito por Ruschmann (1999).


A atividade imobiliária demanda grandes extensões de território, ensejando disputas por terrenos que muitas vezes descambam para a ilegalidade, contando-se entre as causas para isso o fato de que a titulação das propriedades é precária e antiga, superpondo-se a documentos da época das sesmarias, em algumas regiões. No caso das posses caiçaras, muitos destes donos e ocupantes históricos viviam à margem da ordem legal expressa nos cartórios, vindo a ser facilmente lesados nas transações que os envolveram.


Nos anos 80, a divisão do município em loteamentos e condomínios de luxo foi de forma geral marcada por ausência de cuidados ambientais, ocorrendo desmatamentos indiscriminados e aterramentos de espaços ecologicamente frágeis. A poluição por esgotos tornou-se também uma marca registrada dessa realidade, pois o uso de sistemas como fossas sépticas foi muitas vezes subdimensionado para cortar custos ou por não se considerar devidamente características locais como a pouca profundidade do lençol freático, o que ocasiona rápida saturação dos terrenos na época das chuvas de verão.


A oferta de empregos na construção civil, dentro desta explosão imobiliária, atuou como mecanismo de atração e fixação de migrantes de outras regiões do país. Dentro de um modelo econômico excludente, obviamente não se desenvolveu qualquer tipo de planejamento e investimento para soluções habitacionais adequadas para esta faixa de renda, praticamente inexistindo políticas de habitação popular por parte do poder público municipal ao longo da década de 80, o que não mudou significativamente na primeira metade dos anos 90 (PMSS, 1999). Assim, passaram a proliferar bairros precários, com moradias improvisadas localizadas muitas vezes em terrenos com risco de sofrer escorregamentos nas temporadas de chuvas fortes (Secretaria de Ciência e Tecnologia, 1988). Estes núcleos populares de baixa renda acompanharam o crescimento dos condomínios luxuosos, fazendo lembrar, segundo o Diretor de Planejamento do município, a música popular que fala de “uma alfavela para cada alfavile”. Já no início da década de 90, o forte aumento de arrecadação do município graças ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços incidente sobre a movimentação de produtos da Petrobrás passaria a criar em São Sebastião condições na área de atendimento de saúde que funcionariam também como atrativo para populações de baixa renda de outros municípios . Facilitar o transporte de migrantes de outros estados com a promessa de oportunidades de trabalho e serviços públicos em troca de votos passou a ser uma das moedas correntes da dinâmica eleitoral local.


Ocupações irregulares e a ação das agências ambientais


A nova ocupação do território de São Sebastião nesta quadra de desenvolvimentismo predatório se pautou assim por um padrão de uso extensivo, sem cuidados ambientais, elitista e baseado numa apropriação de terrenos muitas vezes com utilização de expedientes à margem da lei ou em que a lei era usada de forma ilegítima, como em muitos casos envolvendo caiçaras. Analisando-se a dinâmica de ocupação, percebe-se que os loteamentos ilegais são estratégias de grilagem de terras e/ou de criação de fatos consumados para fins de burla aos licenciamentos ambientais, em que populações de baixa renda são usadas como linha de frente e muitas vezes desrespeitadas como consumidores, vítimas de comércios ilegais de terrenos que uma vez consolidadas as ocupações vêm a ser expulsas para novas frentes de ocupação. Ocorrem também, ocasionalmente, casos isolados de famílias que se localizam de qualquer maneira em qualquer lugar, sem agenciamento de qualquer tipo.


O fato de incidirem sobre a região regulamentos ambientais, já no início da expansão imobiliária a partir do asfaltamento da estrada, não garantiu respeito aos mesmos. O principal fator de ineficiência dos órgãos ambientais estaduais era a falta de recursos humanos e materiais para fiscalizar o cumprimento da lei. Com escritórios localizados em Ubatuba, poucos funcionários e veículos, agências como a CETESB e o DEPRN (Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais) pouco conseguiam fazer. Somente na administração 87/90 o Governo estadual criaria o Batalhão da Serra do Mar da Polícia Florestal, que viria gradualmente ajudar como presença direta na região. No início da década de 90, São Sebastião desenvolveria instrumentos municipais de política ambiental, sendo uma das causas para esta iniciativa justamente a política de fatos consumados imposta pela especulação imobiliária. A regra era construir primeiro, regularizar depois (Cunha, 1996).


A situação do Parque Estadual não foge desse padrão ao longo do período aqui descrito. A estratégia da Secretaria Estadual de Meio Ambiente vem sendo a de implantar o Parque através de núcleos, e a porção desta Unidade de Conservação contida em São Sebastião ficava até recentemente subordinada ao núcleo de Caraguatatuba. O que equivalia a não haver praticamente nenhuma atuação no município, até a criação em 1997 do Núcleo São Sebastião do Parque Estadual da Serra do Mar. Em 1992, o Instituto Florestal admitia não ter recursos humanos e materiais mínimos para controle desta área do Parque, que era considerada em situação “extremamente crítica” nos aspectos de proteção e regularização fundiária, destacando-se justamente as pressões determinadas pela ocupação territorial não controlada e não planejada, em especial voltada aos espaços de “pé de serra” (Secretaria de Meio Ambiente, 1992).


O novo Núcleo do Parque veio abrir caminho para melhorar esta situação das áreas limítrofes do Parque. Não porque passassem a existir condições adequadas de trabalho: se antes não havia nenhum funcionário, hoje há um. O que se alterou substancialmente foram as atenções dedicadas à proteção da área de Parque e o combate às ocupações irregulares. A estratégia do Diretor do novo Núcleo tem sido a parceria com o Município, funcionando equipes da fiscalização ambiental municipal como guardas parques de fato. Como se verá, o Programa Integrado de Ecoturismo veio aprofundar esta colaboração e garantir os meios necessários a sua operacionalização.


O Programa Integrado de Ecoturismo, Proteção e Educação Ambiental


O governo municipal iniciado em 1997, conta com uma consultoria especializada em ecoturismo, que começou por elaborar um plano abrangente para o desenvolvimento dessa atividade, o que inclui levantamentos e implantação de novos passeios em todos os compartimentos territoriais, inclusive no mar (Ortiz, 1997). A partir dessa proposta, foram desenvolvidos a articulação e os entendimentos necessários para ajuste dos seus conteúdos e adesão dos vários atores, fossem estes membros do Conselho local de meio ambiente e urbanismo, setores do comércio local ou instituições com potencial de tornarem-se parceiros patrocinadores, como a Petrobrás.


Em outubro de 1998, o Programa adquiriu uma forma pública, englobando um conjunto de ações de implantação de trilhas na floresta, fiscalização ambiental e educação ambiental na rede de escolas do município. Um regulamento municipal para uso das trilhas, incorporando as regras do Regulamento de Parques do estado e dando poderes compartilhados de supervisão e fiscalização à Secretaria municipal de Meio Ambiente e ao Núcleo do Parque, foi estabelecido, obrigando ainda ao uso do serviço de monitores locais e ao agendamento prévio dos passeios, de forma a evitar sobrecarga das trilhas por coincidência de grupos visitantes. A Petrobrás tornava-se patrocinador do programa, comprometendo-se a financiar veículos e guaritas para fiscalização ambiental, folheteria turística, a construção de um centro de apoio e informação aos visitantes, e manuais de apoio ao trabalho de educação ambiental nas escolas. O programa passou a ser implantado, com curso de formação e credenciamento de 35 guias ou monitores, e lançamento de um concurso estudantil de desenhos, frases e redações para uso nos materiais de divulgação. Na medida em que os primeiros produtos surgiam – como os veículos para fiscalização, folhetos e cartazes – seu “lançamento” era festivo, com chamamento aos empresários da área turística e ampla divulgação. Paralelamente, iniciava-se o trabalho com as escolas, com os multiplicadores de projetos pedagógicos de cada escola recebendo palestras e cursos rápidos para terem elementos de fomento a atividades em cada unidade. A força do trabalho iniciado nas escolas, que inclui passeios monitorados nas trilhas dentro do Parque, pôde ser percebida no desfile de sete de setembro de 1999, quando todas as unidades municipais adotaram como tema a defesa da mata atlântica, justamente o que fora trabalhado ao longo daquele ano pelo programa.


O novo alcance da fiscalização das ocupações irregulares


A falta de veículos para a fiscalização ambiental era um fator de estrangulamento desde a criação deste serviço, em 1992, agora sendo superado pelo aporte de recursos gerados pelo programa de ecoturismo. Isso permitiu alavancar uma atividade sistemática de ações integradas de fiscalização, unindo Guardas Ambientais do município, o Diretor do Núcleo do Parque e a Polícia Florestal. Ensaiadas já antes, desde 97, essas rondas integradas passaram a ser feitas duas ou três vezes por semana, visando os focos de ocupação mais dinâmicos. Estes são basicamente bolsões irregulares de habitações precárias, como a Vila Pernambuco, em Juqueí, onde a Secretaria de Meio Ambiente levantou, no final de 1999, 136 casas irregulares; Vila Baiana, onde havia então 209 habitações nessa situação; ou em Toque-toque Pequeno, que contava com 78 construções irregulares, na mesmo data.


O relatório do Plano Operacional de Controle do Projeto de Preservação da Mata Atlântica, relativo ao segundo semestre de 1999, atesta bem o novo vigor do trabalho de fiscalização integrada. O relatório – que não registra todas as operações do Parque com a Prefeitura, mas sim as do Parque com a Polícia Florestal – registra 33 operações integradas de fiscalização em São Sebastião, para 27 em Picinguaba, no mesmo período, 7 em Ilhabela e 6 em Caraguatatuba (Secretaria de Meio Ambiente, 2000). Todos estes outros núcleos têm equipes de funcionários e bastante tempo de funcionamento, contra um único funcionário do Parque, instalado recentemente em São Sebastião. O relatório não valoriza o aporte da Prefeitura, mas seus números documentam o reforço trazido pelo Programa Integrado de Ecoturismo, já que estas operações ocorrem somente quando os fiscais municipais participam. A legislação ambiental municipal permite uma ação expedita de demolição dos imóveis irregulares detectados ainda em construção, o que garante efetividade ao serviço de fiscalização. Dezenas de novos imóveis foram demolidos e seus materiais removidos, nestas operações. Quando a fiscalização não se desdobra neste tipo de ação, limitando-se a multar ou abrir processos judiciais, a ocupação irregular acaba se consolidando.


Ao mesmo tempo, os novos guias passaram a ser importantes sensores de novas atividades dentro do Parque, contando de outro lado com a cobertura de equipes da Guarda Ambiental que percorrem as trilhas nos fins de semana, ajudando inclusive a detectar grupos guiados por empresas de turismo que não obedeceram à exigência de agendamento prévio e contratação do guia local. O Programa de Ecoturismo garantiu respaldo para que estas equipes tivessem suporte em horas extras para cobrir os horários de final de semana.


Outro monitoramento importante vem dos participantes do Comitê Gestor do Parque, representantes da comunidade que mensalmente acompanham e debatem os passos de implantação da Unidade de Conservação. As denúncias de devastação são importantes porque o tempo de instalação de verdadeiros bairros precários é extremamente curto.


Atividades de ecoturismo e a legitimidade das ações de governo para disciplinar o uso do território


Entre janeiro de 1999 e fevereiro de 2000, cerca de 3000 pessoas visitaram oficialmente as trilhas ecológicas de São Sebastião, sendo guiadas por monitores locais. Uma agência de turismo surgida no bairro de Maresias mantém agora contrato permanente com dois dos guias treinados pela Prefeitura. Um navio de ecoturistas norte americanos, o Caledonian Star, esteve em novembro de 1999 visitando a costa do município, depois dos organizadores da viagem terem conhecido o “up river boat” no Rio Una e incluído Alcatrazes como atrativo de primeira linha. Progressivamente, o aproveitamento econômico do parque e dos demais conjuntos naturais e culturais protegidos vai ganhando visibilidade para os atores locais. Isso se soma ao amplo processo de discussão pública de que foi objeto o Plano Diretor Municipal, levado a cabo em 1998 e 1999, subsidiado por cartilha co-patrocinada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, na qual entre outros aspectos se ressaltava a importância estratégica de cuidar adequadamente do Parque Estadual. A educação ambiental e suas estratégias de envolvimento de estudantes e professores com os patrimônios locais trabalha nesta mesma linha de difundir uma consciência sobre as vantagens de usar adequadamente os recursos ambientais existentes.


Todo esse esforço decorre da percepção, pelos atores governamentais e não governamentais locais interessados em combater um desenvolvimento predatório da região, de que o conflito em torno dos aproveitamentos econômicos na região é complexo, devendo-se enfrentar tanto as práticas devastadoras quanto os discursos que manipulam os interesses específicos de setores da população de forma a antagonizá-los com a política ambiental e seus instrumentos. O Parque foi durante bastante tempo trabalhado por setores identificados com o aproveitamento imobiliário como uma restrição ao desenvolvimento local, imposta por pessoas e instituições que não vivem na região, e que não tem sensibilidade para a falta de empregos ou soluções habitacionais para as maiorias pobres. A tarefa de apresentar desta forma o significado da unidade de conservação foi facilitada pela ausência de funcionários e políticas efetivas, ficando esta grande porção do território municipal simplesmente como um aparente espaço de “não uso” (Cunha, 1996).


O Plano Diretor, formulando a discussão do Parque como patrimônio estratégico por seu papel em relação à biodiversidade - embora ainda um valor muito abstrato; ou para estabilizar as encostas, impedindo avalanches catastróficas, este sim um fenômeno já bem conhecido pela comunidade; ou ainda como regulador dos recursos hídricos, permitiu um novo acúmulo de informações na direção de uma nova postura, ao menos entre os setores mais organizados, que participaram dos debates. De outro lado, o mesmo Plano, ao introduzir a discussão de uma política habitacional, permitiu visualizar claramente o fato de que o município não precisa ocupar as franjas do Parque, por contar com vastos espaços para a expansão de sua mancha urbana.


Agregando novos interesses reunidos em torno da exploração econômica do potencial turístico dos conjuntos naturais e culturais preservados, e alavancando recursos materiais para permitir a implantação de políticas efetivas de fiscalização e educação ambiental, o Programa de Ecoturismo agrega importantes elementos ao quadro de conflitos ambientais locais. Pela primeira vez, concretizou-se no município uma política preconizada não só por ambientalistas, mas pelo próprio Plano Municipal de Turismo, que apontava em 1991 a necessidade de desenvolver atrativos não sazonais e, para tanto, não atrelados ao binômio sol e praia (CTI, 1991). Evidentemente, o alcance deste conjunto de ações dependerá de sua assimilação e disseminação, para o que concorrem fatores ligados à própria concepção do plano e à evolução da política local. As eleições municipais permitirão avaliar se as estratégias voltadas ao envolvimento de novos atores com a proposta do ecoturismo tiveram eficácia para sobreviver às flutuações políticas.


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