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JULHO/2006: O Turismo na Vila de Paranapiacaba: aproximações entre a percepção ambiental dos moradores e a construção da imagem turística local
Fabiana Souza Ferrreira1 e Clézio Santos2
 
RESUMO: O presente artigo se refere a uma pesquisa que realizamos na Vila de Paranapiacaba no Município de Santo André – SP. A pesquisa originou-se dentro do grupo de estudos de cartografia (GECART) do Colegiado de Geografia do Centro Universitário Fundação Santo André. Constitui-se basicamente de uma série de ações reflexivas junto aos moradores da vila de Paranapiacaba, tendo como fundamentação teórica os estudo de percepção ambiental e de turismo, possibilitando a construção de uma imagem turística ligada ao patrimônio local. Palavras-chaves: vila de paranapiacaba, turismo, imagem turística, percepção ambiental.


ABSTRACT: The present article if relates to a research that we carry through in the Village of Paranapiacaba in the City of Santo André - SP. The research originated inside from the group of studies of cartography (GECART) of Collegiate of Geography of the University Center the Foundation Santo André. One consists basically of a together series of reflexives actions to the inhabitants of the village of Paranapiacaba, having as theoretical recital the study of ambient perception and tourism, making possible the construction of a on tourist image to the local patrimony. Word-keys: village of paranapiacaba, tourism, tourist image, ambient perception.





Introdução

A atividade turística nos últimos anos tem sido muito considerada como atividade viável à preservação de determinadas áreas e considerada até então uma atividade geradora de amplo leque de oportunidades, visando uma melhor relação entre meio e sociedade. No entanto o crescente interesse por determinadas áreas e seu posterior uso descontrolado tem colocado em xeque a importância dessas atividades e as conseqüências de sua aplicação.

Desse modo, intensifica-se a necessidade de se conduzir a atividade turística a partir de ações planejadas, com aumento de estudos voltados à prática turística visando assim levantar seus impactos e posterior melhora de sua utilização, buscando com isso melhores níveis da prática turística, auxiliando preservação e uso das áreas importantes aos moradores da Vila de Paranapiacaba seja ele no âmbito ambiental ou histórico.

O presente artigo tem como objetivo geral compreender em que medida o turismo como atividade econômica está degradando ou preservando o patrimônio histórico, a partir dos anos 90 com a compra das casas da Vila operária de Paranapiacaba pela prefeitura da cidade de Santo André; e analisar por meio da percepção ambiental dos moradores locais a imagem turística construída e a induzida.

A proposta metodológica utilizada centrou–se nas entrevistas semi-estruturadas feitas durante o trabalho de campo e na análise bibliográfica e de documentos sobre o tema.

Partindo da busca pela identificação das condições de preservação das construções da vila operária e de suas casas em correlação a estudos já realizados por profissionais de várias áreas como FERREIRA et.al. (1990), SANTOS (2004), SANTOS & FERREIRA (2004), dentre outros trabalhos realizados sobre a questão turística e o meio biótico da região onde se encontra a Vila histórica de Paranapiacaba, seu histórico de ocupação local, os vetores de possíveis modificações que a população da região vem sofrendo e o relacionamento desta com a vila procurando verificar a influência do turismo econômico, o nível de compreensão dos moradores quanto turismo cultural e as conseqüências para o patrimônio histórico.





Percepção ambiental e a construção da imagem turística

É fundamental conhecer os processos de formação da percepção ambiental do homem ao se estudar a atividade turística. O homem está constantemente agindo sobre o meio, visando sua melhor adaptação, intervindo direta ou indiretamente e se adaptando a este meio a fim de sanar suas necessidades e desejos.

Para SANTOS (2004) cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente frente às ações sobre o meio. Neste contexto as imagens turísticas exercem um forte poder de atração devido à sua heterogeneidade, movimentação e possibilidades de escolha. Assim, o estudo da percepção ambiental e da visão turística é de fundamental importância para que possamos compreender melhor as inter-relações entre o homem e o ambiente, suas expectativas, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas.

Autores como SANTOS & FERREIRA (2004), SANTOS (2004), trabalham com a noção de imagem que vai ao encontro das idéias de NETO (1982:58).


“O termo imagem é pleno de conotações, umas abstratas (reprodução analógica de um ser, uma coisa qualquer, manifestação sensível do invisível e do abstrato, isto é, representação mental de origem sensível e do abstrato, isto é representação mental de origem sensível etc), outras concretas (do domínio da física, da química, da matemática, da geometria, como a imagem da televisão, o cinema), outras filosóficas, literárias, religiosas”.



A imagem turística tem um relevante papel na divulgação de destinações e vem sendo utilizada como importante instrumento de marketing.

Portanto a imagem turística nasce do desejo de se conhecer novos lugares, uma possibilidade de se conhecer novos lugares e ao mesmo se identificar com lugares já conhecidos, da identificação com o ambiente. E é dos diversos projetos realizados em Paranapiacaba nas áreas urbanísticas e arquitetônicas que podemos captar a ânsia por respostas dos seus usuários e moradores; destes dependem os processos cognitivos e de percepção de cada indivíduo e posterior a utilização de espaços a atividades turísticas.





A Vila de Paranapiacaba: um pouco de sua história e da construção de sua imagem turística

Segundo CUNHA (2001) foi a partir da segunda metade do século XIX que a importância histórica da Vila de Paranapiacaba começa se desenhar ainda nos tempos do Império, com a intensificação do transporte da produção agrícola do Porto de Santos para o Planalto Paulista. Transpor a Serra utilizando como único meio de transporte o lombo de burro transformou-se em um grande obstáculo para o desenvolvimento do Estado de São Paulo, tornando-se urgente a construção de uma ferrovia.

Com a crescente utilização da ferrovia para o transporte de café a ferrovia se viu na necessidade de duplicar suas vias e requereu a utilização de um maior número de trabalhadores. Devido a este fato, a empresa São Paulo Railway Company, que nesse momento já obtinha a concessão da ferrovia por 90 anos, se viu na necessidade da construção de uma Vila para abrigar seus funcionários, nas proximidades das instalações ferroviárias, visando assim um menor custo com os trabalhadores e maior viabilidade de trabalho tão próximo às residências.

A Vila de Paranapiacaba é, no Brasil, a única Vila Ferroviária conservada desde sua fundação. Localizada na região sudeste do Município de Santo André, no limite entre o Planalto Paulista e a Serra do Mar, Paranapiacaba reúne um dos mais expressivos patrimônios culturais e naturais do território brasileiro, por sua singularidade, sendo uma das últimas reservas da mata atlântica do Brasil, como também um precioso patrimônio histórico e pelo sistema de trabalho e tecnologia usados na construção e operação da linha férrea no desnível da Serra do Mar.

No entanto a ferrovia viria a passar por um novo fenômeno: o da crise. Para isso diferentes formas foram adotas na tentativa de contê-la.

Iniciou-se, então, um novo período da história da Estrada de Ferro Santos Jundiaí, o fim da concessão dada aos ingleses por Dom Pedro II, a competição direta das rodovias, a necessária modernização dada a ferrovia, privatização e compra da vila de Paranapiacaba pela Prefeitura de Santo André.

Por meio da resolução 37 de 30 de setembro de 1987, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo), tombou a Vila de Paranapiacaba e seu entorno como patrimônio histórico. Segundo dados da Prefeitura Municipal de Santo André atualmente a vila está em processo de reconhecimento municipal e nacional pelo Iphan (Instituto Patrimônio Histórico Nacional) como patrimônio cultural.

Em abril de 2003 com a visita do grupo World Monuments Fund - WMF, ONG de origem norte americana que lista 100 bens anuais reconhecidos como patrimônio histórico que necessitam de trabalhos para a sua preservação, Paranapiacaba apareceu como patrimônio cultural mundial, dentro de uma lista internacional organizada pela WMF, que ao mesmo tempo denuncia a necessidade de recuperação dos patrimônios históricos mundiais e os reconhece como tal.

O patrimônio de Paranapiacaba é constituído de exemplares arquitetônicos do final do século XIX que juntos, formam uma gama de variedades de arquitetura, equipamentos ferroviários e, soluções urbanas de grande relevância histórico-tecnológica.

Freqüente objeto de estudo de pesquisadores, professores e alunos, Paranapiacaba pode ser tido como modelo para preservação pelo seu espaço quanto à sua importância de preservação, indo de suas edificações antigas, um ambiente ímpar, inovador pela tecnologia empregada na construção da ferrovia, justamente por ser um conjunto que representa as edificações mais antigas e, o local que ofereceu infra-estrutura à construção da ferrovia propriamente dita, mas permanece uma de nossas questões: como a população local percebe essas características únicas de Paranapiacaba?





As entrevistas na pesquisa de campo e a construção de imagens turísticas pelos moradores da Vila de Paranapiacaba

Segundo a sub-prefeitura de Paranapiacaba, a Vila possui 360 imóveis, sendo que 300 encontram-se habitados, sendo um total de 1.418 habitantes. Diante desse quadro de moradores, estruturamos nossa entrevista que procurava indagar sobre os seguintes assuntos: nome do entrevistado; endereço anterior; profissão; estado civil; quantidade de filhos; grau de instrução; se está empregado ou não; motivo pelo qual veio morar na Vila; há quanto tempo reside na Vila; como obteve a moradia; se paga aluguel, quanto; para quem; se pretende continuar morando na Vila; o que acha da Vila; se sabe que a Vila é patrimônio tombado pelo Condephaat (Conselho do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo); como preserva a residência; se sabe que os imóveis pertencem à Prefeitura Municipal; se a Prefeitura colocar à venda os imóveis, se tem interesse em comprar o qual ocupa, se tem alguém na família que trabalhou ou trabalha na ferrovia e como vê a atividade turística após a compra das casas da Vila pela Prefeitura.

Selecionamos alguns trechos de quatro entrevistas que realizamos e identificamos nossos entrevistados por letras (A, B, C, D).

Entrevistado A - É ferroviário há 19 anos e mora na Vila o mesmo período, veio de cidade de Minas Gerais ainda na década de 80, casado com 2 filhas, sendo que uma é guia de ecoturismo na Vila, atualmente não paga aluguel para a prefeitura devido a processo judicial contra a RFFSA.

O ferroviário entrevistado alega o descaso da sub-prefeitura quanto ao bem estar dos moradores, saúde, educação e eventos culturais. Diz ainda que “tudo” o que é feito visa o bem estar do turista que vai à Vila de Paranapiacaba.

Atualmente afastado por problemas de saúde move um processo judicial contra a RFFSA contestando o pagamento de qualquer valor referente à utilização de sua moradia uma vez que a Prefeitura lhe cobra um montante pelo aluguel da casa. Mostra o desejo pela compra do imóvel que mora atualmente, porém sabe que isso não é possível. Fala também da falta de perspectivas para suas duas filhas, hoje adolescentes que não têm uma ocupação remunerada, a não ser voltada ao turismo, lembra ainda que isso se deve ao difícil acesso da Vila a outras localidades agora que a ferrovia foi desativada para o uso de passageiros e ao alto custo de transporte viário.



Entrevistado B - Foi maquinista da RFFSA, hoje aposentado, reside na Vila há 20 anos, solteiro, possui um imóvel para residência, oficina e exposição de ferromodelismo de trens e uma vídeo locadora de filmes em VHS e DVD.

Vê o projeto de revitalização da Vila como importante para a sua conservação, ressalta também os problemas sociais como desemprego e diz notar um certo desinteresse e descaso dos moradores quanto à conservação das casas e o desenvolvimento de atividades voltadas aos turistas.



Entrevistado C - Não é ferroviário, solteiro, não possui filhos, veio da cidade de São Paulo há 5 anos, professor, utiliza a casa apenas como residência e leciona na Escola Estadual Lacerda Franco para o ensino médio e fundamental que se encontra na Vila, paga aluguel para a Prefeitura.

Vê o projeto de revitalização da Vila como imprescindível, lembra que a sub-prefeitura está muito voltada ao turista e se esquece de problemas voltados aos moradores como o desemprego e a baixa escolaridade.



Entrevistado D - Não é ferroviário, solteiro, não possui filhos, veio do Estado da Bahia há 5 anos, músico e bailarino, utiliza a casa como residência e centro de cultura nordestina, onde se realiza periodicamente eventos voltados à cultura nordestina, paga aluguel para a Prefeitura. Queixa-se da falta de apoio por parte da sub-prefeitura quanto ao patrocínio de eventos culturais, desde a divulgação até a realização.





Considerações finais

Na atualidade, a ferrovia já não é mais a principal via de acesso ao Litoral, perdeu por assim dizer sua principal função. Assim, conseqüentemente a Vila já não tem a mesma utilidade. Porém, existem ainda construções que representam as técnicas de produção daquele momento, só que com outras finalidades. As residências deixaram de abrigar os ferroviários e passaram a abrigar pessoas de diversos ramos de atividades, vindos de vários lugares e por vários motivos, dentre eles, o principal foi falta de condições financeiras dos novos moradores para se manterem em outro lugar.

No caso do estudo sobre os moradores da Vila de Paranapiacaba, não foi diferente do que foi descrito, percalços e contratempos foram encontrados, como ausência de documentos, o receio de represálias por informações que poderiam não ser interessantes a todos. Durante o trabalho de campo pôde ser notado que muitos dos entrevistados omitiram algumas informações como irregularidades de moradia e pagamento de aluguéis.

A RFFSA, alegando serem documentos que poderiam servir como armas contra a própria empresa em caso de um processo judicial, se esses documentos caíssem nas mãos de alguns empregados que estivessem descontentes com as atitudes da empresa ,disponibilizou documentos pouco esclarecedores quanto ao número de funcionários ainda moradores da Vila de Paranapiacaba.

Quanto ao Poder Público, o interesse em ajudar na elaboração do trabalho não foi diferente da RFFSA, alegaram a inexistência de documentários comprobatórios do número exato de moradores da Vila antes da privatização e posterior compra da Prefeitura Municipal de Santo André. O que apenas foi cedido era o número de imóveis existentes na Vila e quantos estavam ocupados.

Portanto a imagem turística nasce do desejo de se conhecer novos lugares, uma possibilidade de se conhecer novos lugares e ao mesmo se identificar com lugares já conhecidos, da identificação com o ambiente. Paranapiacaba é uma descoberta para muitos de seus próprios moradores, que não a enxergam como os projetos públicos municipais. E é dos diversos projetos realizados em Paranapiacaba nas áreas urbanísticas e arquitetônicas que podemos captar a ânsia dos moradores por respostas, destes dependem dos processos cognitivos e de percepção a cada indivíduo e posterior a utilização de espaços a atividades turísticas. ( Idem )

Paranapiacaba precisa se conhecer, construir sua própria imagem para poder tecer um diálogo com a imagem turística que os setores públicos estão transmitindo aos novos usuários (os turistas) desse lugar. Dessa forma a atividade do turismo será efetivada de uma forma mais humana e eficiente. Um turismo acima de tudo comprometido com a sociedade local e o seu entorno, com propostas e soluções mais atraentes.
 
1 Aluna do curso de Geografia do Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA) e integrante do Grupo de Estudos de Cartografia (GECART) da mesma instituição.

2 Geógrafo, Professor do Colegiado de Geografia do Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA), coordenador do Grupo de Estudos de Cartografia (GECART) da mesma instituição, mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutorando em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Autor de trabalhos nas áreas de Geografia, Turismo e Cartografia.